23 de janeiro de 2009

ÁFRICA NO CURRÍCULO BRASILEIRO


Usualmente, quando se fala em África em sala de aula, a dimensão que se consegue chega a ser caricata. Baseados numa visão diminuta do que esse continente tem a oferecer e, de fato, já ofereceu à nossa identidade sóciopsicológica, reduzimos tudo a capoeira e candomblé. Não fossem essas expressões culturais tão carentes de afirmação social, seria tão característico trocar seis por meia-dúzia. Mas é possível enriquecer o currículo escolar refletindo sobre o papel da cultura africana na educação brasileira?

A existência de um espaço internacional da língua portuguesa, que etimologicamente podemos chamar de lusofonia, permite, em sala de aula, o desenvolvimento de conteúdos facilitam a construção da interdisciplinaridade. A língua portuguesa é falada no Brasil e em Portugal, como língua materna de milhões de habitantes. Além disso, ela é a língua oficial de outras seis nações independentes: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, na África e Timor Loro-Sae, na Oceania; falada também por outros milhões. Números que traduzem um espaço comum entre diferentes nações e continentes que se utilizam do português como língua de construção de identidades sociais e subjetivas.

A literatura em língua portuguesa apresenta a possibilidade de se estudarem modelos de valores que aproximam esses países em continentes tão diferentes, mas partícipes de uma mesma experiência histórica que deixou profundas marcas na construção de suas modernidades. A maioria dos países onde se fala português são culturas relativamente recentes, formadas de substratos milenares que elaboram um todo novo, e que se expõem às pressões de novas formas colonialistas de cultura. Produções intelectuais engajadas que não se conformem ao pensamento neocolonialista mas que não caiam no isolacionismo são sempre bem-vindas.

De uma perspectiva didática, desejamos cultivar um olhar que se distancie do nativismo ou do folclorismo, mas que mantenha o olhar em uma forma de modernização que não nos aliene de nossas raízes. E, se essa modernização inclui o avanço tecnológico, inclui também o diálogo dinâmico entre a cultura tradicional do país e a cultura externa, em um contínuo processo de construção da modernidade do espaço nacional. Um diálogo entre passados e presentes que se faz presente em diversos escritores africanos, brasileiros e portugueses, dos quais nunca é demais citar, apenas como exemplo ilustrativo, os nomes de Paula Tavares (Angola), Mia Couto (Moçambique) e José Saramago (Portugal).

15 de janeiro de 2009

SOU FEITO DE PLURALIDADES


Já não há novidade em dizer-se que somos plurais. O 'eu' é uma somatória de muitos outros, os quais, em constante diálogo - ou não - se constituem a si mesmo. Nessa visão plural do todo não podemos, contudo, desaperceber a importância do singular. Cada um de nós não é o amálgama confuso de todos, o que resultaria na verdade em um nada sem identidade, mas um ser singular que se abre para a constante re-elaboração de quem é. Eu sou eu e minha circunstância, diria Ortega y Gasset. Permita-me, sábio filósofo, que eu cometa um deslize semântico: "Eu sou eus mais as minhas circunstâncias". O resultado, no entanto, é o eu. Singular. Ou, pelo menos, assim esperamos que seja. Claro, há muitas pedras no caminho e não falamos, como Drummond, daquelas que ficam retidas na memória, mas das que somos obrigados a superar para construir a nossa memória.

Nas diferentes bases que nos constituem e nos fundamentam destaca-se a Ciência. A própria alma ganha, na Psicologia, uma explicação científica. Não é de admirar que muito do que eu sou seja assim explicado cientificamente e, desse modo, eu consiga compreender parte de minha pluralidade e satisfazer necessidades profundas de construção de minha identidade. A contribuição das diferentes ciências para a educação é indiscutível. E a ciência é, em grande parte, a atual explicação para a existência da própria educação. Aí mora um delicado perigo!

Ocorre que na pluralidade que me constitui meus limites superam os da própria Ciência. Em outras palavras, o ser humano é muito mais do que uma explicação científica - ou muitas ou, até mesmo, infinitas explicações científicas. Os limites do ser humanos superam os da Ciência.

Encontro dois exemplos que me animam a ver como algo para além do raciocínio científico: a poesia e a religião.

O poema é uma construção da linguagem que se faz Arte. Como produção textual pode ser explicado pelos mais variados campos do conhecimento científico: Lingüística, Sociologia, Psicologia etc. Todas essas explicações contribuem, efetivamente, para a melhor compreensão do texto poético e colaboram assim para que o leitor disfrute mais da leitura. Contudo, o poema supera os limites da ciência e de tal modo que as teorias científicas podem explicar o fenômeno poético depois de pronto, mas não produzir um poema. Em outras palavras, a Semântica, a Semiótica, a Antropologia, qualquer ciência, podem explicar um poema que está pronto e porque ele se torna uma obra de arte no imaginário humano, mas não podem fornecer a fórmula para se produzir um poema. A produção de um poema supera o conhecimento científico e remetem o humano para outras dimensões de sua pluralidade. O poema é, deste modo, transcêndencia, caminhada, movimento do eu singular na sua pluralidade constitutiva.

Algo assim ocorre também com a transcendência motivada pela Religião. O conhecimento religioso pode ser explicado cientificamente. Esse pensamento, por exemplo, tem alicerçado a mudança de paradigma das aulas de Ensino Religioso, que se esforçam em passar de uma visão catequética e periférica na realidade escolar para uma visão mais próxima do que se chama Ciências da Religião. Contudo, a experiência religiosa, em si mesmo, promove uma transcendência do ser que supera os limites da própria Ciência da Religião. O gesto de dar as mãos desejando 'Paz' pode ser uma experiência de interação mística ou um momento de formalidade estática. A ciência pode explicar uma ou outra dessas realidades, mas produzir a transcendência que está latente em dar-se as mãos é algo que não se produz cientificamente. Isto é apenas um exemplo, claro, mas o que gostaria de destacar é o fato de que o ser humano supera os limites da ciência, quer quando o tema é poesia, quer quando se fala em religião.

Penso que o mesmo poderíamos dizer da Filosofia e da Educação e não sei se seria incoerente pensar que até as diferentes áreas do conhecimento humano que compõem aquilo que chamamos ciência, quando vistas mais de perto, em si mesmas, superam os limites científicos. Certamente é assim quando pensamos não em um campo da ciência, como a Química, mas na sua versão aplicada à Educação, o Ensino e Aprendizagem de Química, por exemplo. As pluralidades de que sou feito, nesse momento, solicitam uma complexidade de diálogos em que o puro raciocínio científico, unicamente, não dá conta.

Assim, a falarmos dos processos de Ensino/Aprendizagem literário, religioso, filosófico etc, estamos falando em algo mais do que conhecimentos científicos, estamos falando da procura constante pelo diálogo, pela transcendência e pelo caminhar humano. Não podemos reduzir a experiência humana, em nenhum sentido. Isso significa também que aquilo que supera o científico não pode ser visto como um emocionalismo desarraizado. Como se de lágrimas ou comédias se tratasse. Não é o caso de reduzir, mas de ampliar e ampliar requer raízes profundas. Compreender o que está para além dos conhecimentos científicos na experiência de aprendizagem motivada por uma determinada área do saber humano requer, portanto, muito estudo e a disposição para interagir e para refletir. Não há lugar para o emocionalismo barato ou para reduções cômodas limitadas por fórmular simplificadas do que é educar.

Aí está, talvez, alguma novidade no conceito plural de identidade humana: os limites que nos superam requerem profundo estudo e as habilidades de interação e de instrospecção que podem - e devem - ser desenvolvidas pela e na escola.