13 de novembro de 2013

APROXIMANDO-NOS DA ARGUMENTAÇÃO



Todo texto visa a convencer o seu leitor de alguma coisa. Ou seja, todo texto procura fazer o leitor aderir a uma determinada opinião. Para isso, o produtor aciona diversas estratégias, que denominamos procedimentos argumentativos. Tomemos um exemplo.  De que procura nos convencer o texto a seguir?


Retrato de uma princesa desconhecida

(1)     Para que ela tivesse um pescoço tão fino
(2)     Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
(3)     Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
(4)     Para que a sua espinha fosse tão direita
(5)     E ela usasse a cabeça tão erguida
(6)     Com uma tão simples claridade sobre a testa
(7)     Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
(8)     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
(9)     Servindo sucessivas gerações de príncipes
(10)    Ainda um pouco toscos e grosseiros
(11)    Ávidos cruéis e fraudulentos
(12)    Foi um imenso desperdiçar de gente
(13)    Para que ela fosse aquela perfeição
(14)    Solitária exilada sem destino

ANDRESEN, S. M. B. Dual. Lisboa: Caminho, 2004. p. 73.

Observemos, mais de perto o poema a partir já do primeiro verso: “Para que ela tivesse um pescoço tão fino”. O pronome ‘ela’ fornece ao leitor, pelo menos, três informações importantes a saber que vão se apresentar informações sobre um elemento

  1. feminino;
  1. singular;
  1. conhecido do leitor.

A terceira informação não se verifica, em um primeiro momento, na prática leitora imediata, ou seja, não sabemos de que ‘ela’ se está falando no poema. É um ser feminino, único, mas desconhecido do leitor. De fato, o título do poema fica mais claro, trata-se do “Retrato de uma princesa desconhecida”. Todo título merece ser lido e usado como guia de leitura. Nele as informações aparentemente desconexas do poema ganham um sentido mais coeso.

Assim mesmo, despertados pelo incômodo ou estranhamento provocado por essa aparente incoerência, ficamos mais atentos aos substantivos que aparecem a seguir no poema: “pescoço” (verso 1); “pulsos”(verso 2); “olhos”(verso 3); “espinha”(verso 4); “cabeça” (verso 5) a que são atribuídas qualidades: “fino”(verso 1); “quebrar de caule”(verso2); “frontais e limpos”(verso 3); “direita”(verso 4); “erguida”(verso 5).

Trata-se de uma mulher e não de uma mulher qualquer, mas de uma princesa, como nos diz o título do poema, descrita ou retratada como um ser perfeito, “Com uma tão simples claridade sobre a testa” (verso 6). O olhar do texto, como já anunciado no título, não se detém em quem ela é, como indivíduo – trata-se de uma desconhecida –, mas antes no que foi necessário “para que” ela, a princesa desconhecida se tornasse assim.  Nesse sentido, a repetição de “para que” torna-se muito importante na engenharia do poema. E para que ela fosse como ela é, “Foram necessárias sucessivas gerações de escravos” (verso 7).

Esses escravos não serviram apenas a essa princesa desconhecida. O poema afirma que eles trabalharam “de corpo dobrado e grossas mãos pacientes” para “sucessivas gerações de príncipes” (verso 9). Assim, enquanto a princesa é toda beleza, os escravos são colocados numa situação inferior, “dobrados” e deles apenas ficamos sabendo das mãos “grossas” e “pacientes”. Mas os príncipes não nasceram nessa condição superior, como a princesa desconhecida. Ao contrário, eles eram “um pouco toscos e grosseiros / Ávidos cruéis e fraudulentos”. Sobre a evolução moral dessa elite, não sabemos. Apenas sabemos da beleza externa da princesa que poderia continuar sendo cruel e fraudulenta, mas agora não mais tosca ou grosseira.

Essa transformação exigiu “um imenso desperdiçar de gente”. Ainda que o texto fale de uma princesa específica, cujo nome não nos é dado a conhecer, o poema se  posiciona não especificamente contra ela, mas contra todos aqueles que se consideram melhores que o restante da humanidade, príncipes, e conseguem tratamentos privilegiados a partir do trabalho compulsório (ou seja, obrigatório) de outros seres humanos. Em outras palavras, o poema, embora descreva uma situação tenta nos influenciar a aderirmos a uma determinada opinião:

O trabalho compulsório de escravos proporcionou privilégios aos príncipes.

Por argumentação entendemos qualquer tipo de procedimento utilizado pelo produtor de um teto com vistas a levar o leitor a dar a sua concordância com uma tese defendida pelo texto.


Por tese, entendemos uma afirmação que pode ser negada ou confirmada, ou seja, o leitor pode atribuir um valor de VERDADE ou FALSIDADE. Em outras palavras, o leitor pode considerar a afirmação como sendo verdadeira ou falsa. Por isso, ela precisará ser defendida (ou argumentada) no corpo do texto.

Exemplo de TESE:

o trabalho compulsório de escravos proporcionou privilégios aos príncipes.

Essa é a tese implícita ao poema "Retrato de uma princesa desconhecida"  Ou seja, mesmo que ela não esteja ali, clara, com todas as letras, o leitor deve poder compreendê-la e reconhecer qual a posição defendida pelo texto que lê.

Numa tese, temos sempre:

Um sujeito abstrato (genérico): o trabalho compulsório de escravos (Quem ou o quê? Ou seja, de quem se fala...)
Um verbo: proporcionou (o que esse sujeito faz)
Um complemento do verbo: privilégios aos príncipes (o que proporcionou? A quem?)

A tese não precisa ser apresentada de modo explícito, palavra por palavra, em um texto. Ela, contudo, deve ser identificável para o leitor.  Ou seja, mesmo que ela não esteja ali, clara, com todas as letras, o leitor deve poder compreendê-la e reconhecer qual a posição defendida pelo texto que lê. 

Quando um texto tem como objetivo principal analisar e interpretar dados da realidade por meio de conceitos abstratos visando a convencer-nos de uma tese, estamos diante de um texto dissertativo-argumentativo.


No texto dissertativo-argumentativo, a tese se desenvolve não a partir de conceitos específicos, como ao falar de uma determinada princesa, mesmo que desconhecida, mas sempre a partir de conceitos abstratos.

Por conceitos abstratos, entendemos conceitos amplos, genéricos, que nos remetem não a uma situação específica, mas a algo geral, aplicável a muitas circunstâncias diferentes. 


Vejamos um exemplo de um texto dissertativo-argumentativo:



Exclusão digital é um conceito que diz respeito às extensas camadas sociais que ficaram à margem do fenômeno da sociedade da informação e da extensão das redes digitais. O problema da exclusão digital se apresenta como um dos maiores desafios dos dias de hoje, com implicações diretas e indiretas sobre os mais variados aspectos da sociedade contemporânea.

Nessa nova sociedade, o conhecimento é essencial para aumentar a produtividade e a competição global. É fundamental para a invenção, para a inovação e para a geração de riqueza. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) proveem uma fundação para a construção e aplicação do conhecimento nos setores públicos e privados. É nesse contexto que se aplica o termo exclusão digital, referente à falta de acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas tecnologias, por motivos sociais, econômicos, políticos ou culturais.

(do ENADE - 2011)

Dados concretos aparecem em um texto dissertativo apenas para ilustrar leis ou teorias gerais. Além disso, embora na dissertação não exista uma progressão narrativo-temporal dos enunciados, ou seja, não se está contando uma historinha, mais do que em qualquer outro texto, é muito importante deixar claro ao leitor as relações lógicas que os enunciados mantém entre si.

O texto disserativo-argumentativo não permite que se altere à vontade a sequência do que se diz. Usualmente, após apresentar o tema tratado, dando a dimensão da importância do que se irá defender, apresentamos os argumentos. Primeiro, os mais fracos e, em ordem crescente, deixamos o mais forte para o final. Claro o que são argumentos mais fracos ou mais fortes dependerá muito de que leitor se tem em mente ao escrever. Por exemplo, o que pode ser decisivo no campo da ciência para um religioso católico pode não o ser para um médico ateu.

No término do texto dissertativo-argumentativo, é comum fazer uma síntese do que se falou, mais uma vez, considerando o leitor que se tem mente e destacando uma ideia conclusiva.



9 de setembro de 2013

OLHARES PARA A VIDA


Nossos olhares para o mundo podem ser divididos em dois: o olhar de presença e o de ausência.O olhar de presença presta atenção, estando disposto a enxergar o melhor e a promover o bem. O olhar de ausência é indiferente e apressado, não está preocupado legitimamente com aquilo a que se dirige.
Por vezes, nosso olhar enxerga a solidão. Em alguns momentos a solidão é desagradável e deve ser evitada. Contudo, ela nem sempre é um sentimento ruim, pois pode tornar-se uma oportunidade para a reflexão: um diálogo entre nós mesmos e uma oportunidade de repensarmo-nos diante da vida e de seus mistérios.
Esses momentos de solidão são também momentos de silêncio e de abertura para que o mundo nos interprete. São momentos em que entramos em contato com o Mistério da vida.
Todos nós sentimos necessidade constante da palavra: falar e ouvir, por isso, os momentos de silêncio podem parecer muito difíceis.
Nesses momentos olhamos e percebemos a realidade ao nosso redor. O silêncio permite-nos prestar maior atenção nos fatos do mundo, para compreender a realidade e  comunicarmo-nos com ela.
Segundo Martin Buber, nosso olhar pode ser de observação, como quando olhamos as coisas buscando identificar todas as suas características. Pode ser também de contemplação,  quando temos a intenção de conhecer a essência do outro que ali está, registrando aquilo que nos impressiona no que observamos, prestando atenção a detalhes que passariam desapercebidos no processo de observação. Pode ser também de tomada de conhecimento íntimo, quando nos esforçamos para ver o outro, como parte de quem somos, permitindo-nos que ele nos diga algo que se projeta no interior de nossa própria vida. Todos esses olhares são importantes e colaboram entre si para a construção de nossa identidade.
No olhar que enxerga o outro como parte de quem somos há o convite para repensarmos a vida e planejar as nossas ações futuras. Tomamos assim decisões sobre quem somos e quem desejamos ser. Cultivamos uma espiritualidade que se faz compreensível e presente no mundo e que se nos relaciona individualmente com valores que estão para além de nós mesmos e de nossas necessidades mais imediatas.
Precisamos de nossas sensações para construir a nossa espiritualidade e descobrir na intimidade de quem somos o Mistério Transcendente. Segundo Edith Stein, todas as nossas sensações podem agrupadas em três categorias: orgânicas (a fome, a sede, o sono etc); emocionais (a alegria, a dor, a melancolia etc.) e espirituais (a sensação de estar vivenciando o Transcendente, o amor desinteressado etc.).

5 de setembro de 2013

O AZUL DO SILÊNCIO


Julian Opie (2000). Cowbells Tractor Silence. Londres: Tate Gallery


Em algum momentos damo-nos conta de que nunca poderemos compreender tudo ao nosso redor. Nesses momentos, somos convidados a abrirmo-nos a que o mundo nos interprete. Nesse momento, podemos, em silêncio,  olhar para o interior de nós mesmos, e ali encontrar-se com o Transcendente, o Mistério mais profundo da vida se comunica conosco e nos motiva à ação. 
Nesse momento, percebemos que nossa identidade não surge do nada, que as coisas não se fazem por si mesmas, mas que embora haja algo além do que é mais imediato e que nos cerca, temos a oportunidade de construir a felicidade considerando, também, a presença cotidiana desse mistério sagrado que se manifesta na própria vida. Viver pode se tornar, então, uma constante experiência mística.
A obra de arte, de Julian Opie,  ja desde o seu titulo, evoca o silêncio. O ceu azul toma quase que a totalidade da obra, deixando a nossa mente livre para ‘voar’. Mas, ao longe, uma casa, nos lembra que a presença humana é importante, fundamental para voltarmos desses momentos de interioridade e continuarmos as nossas caminhadas.



19 de junho de 2013

CAMINHANDO PELAS CIDADES – MANIFESTAÇÕES NO BRASIL

As pessoas estão insatisfeitas no Brasil. Há muito tempo. Todos nós sabemos bem que as coisas não andam bem, mas como andam, não paramos. Seguimos. E outros seguem na frente, supostamente, guiando-nos. Tão ou mais perdidos do que nós mesmos, eles parecem apenas desejar uma coisa: perpetuar-se no poder. Então a manifestação vai tomando conta das ruas. Lentamente. Agradece-se a colaboração que a PM de São Paulo, na quinta-feira fatídica do dia 13 de junho deu ao movimento. As pessoas sentiram-se revoltadas com o que viram e ouviram. Uma boa parte da imprensa, até então subserviente ao que consideravam poder, sentiu-se ofendida. Resolveu participar na formação da opinião pública. Esse é, afinal, também o seu papel. Até políticos e artistas tentaram carona nessa cauda de foguete. 
O Movimento pelo Passe Livre defende a redução da tarifa. Apenas. Uma pena tão pequenas ambições em rostos tão cheios de promessas. O povo começa a quere mais. Quer respeito. O jeitinho brasileiro foi a característica escolhida pelos governantes para construir o modelo de Brasil. Somos o país que deu certo roubando, incentivando a corrupção, a injustiça social e, principalmente, a maquiagem social. Fazemos tão bem a maquiagem social que, nós mesmos, maquiadores, acreditamos nela. Acreditamos? No fundo não, mas não podemos parar. Temos de seguir caminhando. Rumo a nós mesmos. A opinião pública começou a ver-se nas manifestações não pelos vinte centavos, mas pela sua própria dignidade. Por que sabemos bem que o ‘jeitinho brasileiro’ não é, realmente, a nossa essência, mas é máscara de nós mesmos. 
Da nossa herança colonial, aprendemos a representar o que não somos a partir do que, efetivamente, somos. Essa lição aqueles do poder não a aprenderam. Ou não a desejaram aprender. No fundo, sabemos que ser o país do ‘jeitinho brasileiro’ é ruim para nós mesmos. Furar a fila, enganar o vizinho, roubar no troco etc etc etc são práticas comuns, mas gostaríamos, no fundo, que não o fossem. Quando o governo escolhe, contudo, a via do ‘jeitinho brasileiro’ como modo de governar, ensina-nos que não temos escolha a não ser a resignação. Temos de resignarmo-nos a ser aqueles que não são, mas que fingem ser. 
Não é Dilma que dá o bolsa família de R$80,00. Sou eu, é você, somos todos nós com o nosso suor sagrado que se deposita nos cofres públicos por meio dos impostos . Não é o Alckmin que faz o metrô de São Paulo. Sou eu, é você, somos todos nós que vamos trabalhar diariamente apesar das notícias cada vez mais catastróficas de assaltos, superlotações nos meios de transporte e engarrafamentos quilométricos. E o metrô atrasa e as construtoras se enriquecem cada vez mais. E o bolsa família se transforma em um bolsa esmola que não ensina nunca a pescar, apenas dá o peixe e dá votos no toma-lá-dá-cá. E tudo bem, para tudo damos um jeitinho... Mas estamos cansados, não estamos? 
Então o povo vai às ruas. “Não são só vinte centavos”. Mesmo que o MPL não o queira. Não o são. É a nossa própria identidade em causa. Não é apenas a educação, a saúde, os transportes, a habitação e, principalmente, a corrupção. É a nossa identidade. Somos quem nos disseram que somos: o país da festa e do futebol que prefere ter estádios a decência e dignidade? O país que se contenta com as migalhas de R$80,00 e assiste, assombrado, ao circo e ao pão sendo distribuído enquanto os grandes vão à ópera e aos lautos jantares? O povo vai às ruas. Eu alimento a esperança de que essa seja uma resposta pela própria identidade popular. 
Há os baderneiros. Há os que não sabem protestar. Há os infiltrados. Há os filtrados. Há o povo sozinho caminhando acompanhado de si mesmo e de quem deseja ser. Desejar ser já é uma forma de ser, não é mesmo? Então os governantes se assombram. Querem tirar partido desse movimento. Querem transformá-lo em porta para o jeitinho brasileiro. Há o medo. Há o cansaço. Há a clara percepção de que não se pode tratar uma Copa do Mundo melhor do que se trata o doente e o estudante e há uma percepção mais clara ainda de que essa Copa se torna a desculpa perfeita para a corrupção. Há a percepção de que roubar virou algo lícito, desde que não se seja pego. E se for pego, desde que se seja rico e influente o suficiente. E não é esse o Brasil que desejamos. O brasil das máscaras, do oba-oba, do jeitinho. 
Então o povo vai às ruas. Ainda nem bem sem saber o porquê. Vai sozinho, atendendo a um chamado com o qual não concorda completamente, de uma redução de vinte centavos. Vai para mostrar que não está feliz. Vai para sonhar e transformar sonhos em realidades. Sonhos são sempre os liames entre o delírio e a esperança. O que virá a seguir?

7 de junho de 2013

INTERPRETAR UMA OBRA DE ARTE - PARTE 1


Interpretar uma obra de arte envolve o conhecimento do estilo de uma época e das técnicas empregadas, mas... Há sempre um mas. O mais importante é descobrir na obra a tensão entre a realidade do mundo e a contemplação que o artista fez dessa realidade.
Essa contemplação certamente envolveu um olhar que pensou e sentiu o mundo e que, depois, o recortou. Nesse recorte o artista procurou encontrar as estruturas profundas, compostas por poucos elementos que se repetem e formam padrões na obra de arte.
A tensão entre mundo e arte será tão mais complexa quanto intensa for a proposta semiótica (ou seja, crítica) da obra.

20 de maio de 2013

DO PENSAMENTO À AÇÃO: APRENDENDO COM AS BORBOLETAS...



Todo pensamento vale sua existência pelo simples exercício de pensar. Pensar é um luxo nos dias atuais em que há tantas maquinações para pensarem por nós. Apresentam-nos, calmamente e com a maior desfaçatez, o que e como devemos pensar. 

Nada mais temos a fazer do que reproduzir. E a maior ilusão que nos impingem sequer é essa, mas fazem-nos crer que os pensamentos dos outros que pensamos, como quem se alimenta de comida regurgitada são, na verdade, pensamentos nossos, que estamos sendo originais. Acreditamos, sinceramente, que pensamos o que outros pensaram por nós.

De fato, todo pensamento, genuinamente nosso, vale a sua existência pelo simples exercício de pensar. Mas isso não o legitima.

O exercício de pensar não termina em dar à luz o pensamento. Como parte desse exercício há o pedido urgente para visitar esse pensamento em botão pelo bom senso, pela justiça, pela ternura e pela caridade antes de que ele se torne palavras e ação.

Isso porque as palavras e as ações repercutem nas outras pessoas, mesmo que esse outro sejamos nós mesmos. Então as palavras e ações, enquanto são ainda pensamentos, precisam aprender a lição das borboletas.

No campo e nas matas vemos as borboletas cheias de cor e vida, mas sabemos que antes elas foram crisálidas abrigando uma lagarta. A lagarta é o nosso pensamento. Ele deve estar prenhe de virar crisálida, ser pensado como pensamento, ser visitado pela ternura, para não promover a agressividade e a dor, pela justiça, para não falhar com ninguém, pelo bom senso, para não cairmos no ridículo e pela caridade que é expressão do amor e, afinal, o amor é o que, de fato, fica. O amor nunca acaba.

Como nos fala a canção mínima, de Cecília Meireles:

Canção Mínima

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.


A TRANSCENDÊNCIA, A FÉ E A ARTE...


Todos nós somos limitados e feitos de fragmentos. Pedaços de quem somos fazem com que muitas vezes sejamos, até, contraditórios. Falamos algo e somos até sinceros em nossa exposição, mas pouco depois agimos de modo contrário àquilo que dissemos. Espantamo-nos que no nosso coração sejamos capazes de sentir, ao mesmo tempo, sentimentos contrários entre si.

Já o antigo poeta romano Catulo (Verona, 87 ou 84 a.C. - 57 ou 54 a.C.) disse:

Odi et amo, quare id faciam fortasse requiris, nescio sed fieri sentio et excrucior

(= Odeio e amo, como isso é possível, você se pergunto. Não sei, apenas sei que assim o sinto e sofro muito por causa disso)

Mas, em algum momento, podemos viver uma experiência de transcendência. Ou seja, por algum motivo, experimentamos uma sensação de totalidade. Sentimo-nos, de fato, um. E, por vezes, não apenas um conosco mesmos, mas até um com os outros que vivem ao nosso redor.

O espírito humano então se eleva sobre as fronteiras que o tornam pequeno, menor do que gostaria de se sentir e ele se sente total. É uma experiência do cotidiano. Trata-se de uma elevação sobre os limites da vida que nem sempre é religiosa e, por natureza, é sempre de curta duração. Nem mesmo para o místico dura por muito tempo. É tarefa da religião preservar essa experiência, permitindo que  ela ajude aquele que crê a se aproximar de Deus.

É também tarefa das Artes preservá-la. Possibilitando que o observador experiente se aproxime mais perto de si mesmo e do outro, construindo-se em ponte. O poeta Mário de Sá Carneiro (Lisboa, 1890 - Paris, 1916) escreveu:

“Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro”.

A arte, sozinha,  não pode assegurar que essa ponte seja de amor ou de tédio. Isso cabe a cada um de nós escolher. Tais escolhas nunca são fáceis e levam-nos a visitarmos cada espaço interior nosso no trato cotidiano. Melhor optar por ser ponte de ternura e amor. Mas uma coisa é certa: somos pontes de ‘mim para o Outro’.

10 de maio de 2013

O APRENDIZADO DE AMAR O CORPO




Muitos se sentem incomodados com o seu corpo. Alguns por considerá-lo feio: muito alto, muito baixo, muito gordo, muito magro... Outros por uma sensação de nojo, como se no corpo morasse o erro e o pecado. Ainda há aqueles que, na direção oposta, são obsessivos com o seu corpo, vivem quase que unicamente para ele, idolatram-no como se ele fosse um deus.

Somos mais do que o nosso corpo, mas nada somos sem ele. O corpo não somos nós, mas sem ele não vivemos. Nem ele vive sem nós. Sem dúvidas, o nosso corpo é dom de Deus. O nosso e o dos outros. Como dom de Deus, devemos amá-lo e protegê-lo, honrá-lo. Amar o próprio corpo, como qualquer forma de amor, é um constante aprendizado. Exige domínio de uma linguagem própria, de paciência e constância.

O corpo exige cuidados: ele precisa ser olhado com carinho e atenção. Ele solicita respeito. O desrespeito ao corpo, mais cedo ou mais tarde, cobrará um preço. E ele costuma cobrar caro, com juros. Quem não respeita os limites do corpo e o sobrecarrega, poderá até se dar bem momentaneamente, hoje, mas corre o risco de mais tarde vir a se queixar. O corpo se rebela, não gosta de excessos. Até a rotina excessiva é perigosa e casa o corpo.

Álcool de mais, açúcar de mais, gordura de mais... podem levar ao desequilíbrio do corpo. Assim como consideramos importante aprender a ler e a escrever, devemos aprender a comer, beber e nos vestirmos bem. Comer, beber e se vestir são atividades que, quando bem feitas, procuram o equilíbrio. É necessário promover uma educação do corpo na suas muitas dimensões.

Se o corpo anda rebelde, em batalha conosco, é conveniente procurar ajuda especializada. Conversar com um médico pode ser adequado. Conversar com Deus também. Uma ajuda não tira a outra, visto que foi Deus que permite que os médicos se preocupem com os corpos humanos e os inspira no desenvolvimento da medicina. Mas, há algo que apenas Deus pode cuidar em nós... e no nosso corpo.
Detestar e maltratar o corpo não é virtude. Ele não deve ser considerado
como o que de mais importante temos em nós, mas ele não deve ser deixado de lado, como se ele não tivesse valor. O nosso corpo é presente de Deus. Deus não nos daria um presente sem valor.

Ninguém deveria pegar seu carro para dirigir em uma estrada longa sem saber se esse carro tem gasolina, se os freios estão funcionando bem etc. Do mesmo modo, o nosso corpo pede atenção constante.

Colocar veneno no seu corpo,tal como ocorre com quem consome drogas, é um modo de desprezar-se e, desse modo, desprezar o seu corpo. É um modo de desamor. Onde há desprezo, falta o amor. Quem se droga, não se ama. O corpo não é uma lixeira. O exercício constante do amor afugenta o excesso, inclusive o desprezo com o corpo que leva ao consumo das drogas. O desprezo é um modo excessivo de desconsiderar-se. O ponto é o equilíbrio.

Alguns acham estranho orar a Deus sobre o seu corpo. Como se Deus apenas se interessasse com a nossa dimensão espiritual. O corpo é santuário da pessoa humana, que foi criada à imagem e semelhança de Deus. É apropriado orar a Deus pelo e sobre o nosso corpo.

Os católicos celebram a festa do Corpo do Filho de Deus, o Corpus Christi. Nessa ocasião celebra-se a fé no corpo glorioso de Jesus. Eis um motivo muito forte para amar o seu corpo e para ensinar a amar. Em consideração ao corpo santo de Cristo, que foi dado como resgate pelos nossos pecados, devemos alimentar um respeito santo pelo nosso próprio corpo.

Como educadores, devemos dar muito valor ao aprendizado envolvido em cuidar e respeitar o corpo, sabendo relacionar-se com ele adequadamente.