24 de abril de 2009

A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO EDUCACIONAL: CURRÍCULO E PRÁTICA PEDAGÓGICA


Gimeno Sacristán nos lembra que “por vezes complicamos um pouco as coisas para entender sua óbvia simplicidade. Em outros casos, de tal forma as emaranhamos que acabamos por esquecer como eram, de fato, simples. Temos esta sensação ao falar de Currículo”. " (SACRISTÁN, Gimeno. El curriculun com a text de l’expèriencia. De la qualitat de l’ensenyament a la de l’aprenentage. In BONAL, X. ESOMB, M. A. e FERRER, F. (coord). Politica educativa i igualtaat d’oportunitatas. Barcelona: Mediterrània, 2004, 177). Por currículo, Sacristán (Op. Cit.) entende um texto tecido pelas diversas ações educativas: as intenções dos que desejam influenciar os outros para que construam em si um determinado modelo, o próprio modelo que se deseja desenvolver no outro e os planos que se elaboram a fim de que esse processo ocorra.

Como texto somente se torna realidade educativa quando convertido em ações. As ações produzidas pelo texto, no ato da leitura, os estudos textuais denominam, usualmente, discurso. Poderíamos dizer, seguindo o raciocínio de Sacristán, que a prática do currículo é a construção do próprio discurso educacional.

Todo discurso, é atravessado por um complexo jogo de interesses, valores e ideologias. O discurso, inclusive o discurso educativo, é orientado (...) não somente porque é concebido em função do propósito do locutor, mas também porque ele se desenvolve no tempo. O discurso se constrói, com efeito, em função de um fim, considera-se que vai chegar a alguma parte”. (CHAREDEAU. P. & MAINGUENEAU, D, 2004, p. 170)

Orientado a um fim, o discurso educativo, tal como assumido pela prática do currículo na escola, desvela a distância entre o que se pretende ensinar e o que de fato se aprendeu. Não é difícil concluir que a validade do discurso educativo se justifica na aprendizagem real daqueles que estão em condição de alunos (SACRISTÁN 2004).

A prática curricular, tanto as ações como os conteúdos, pode revelar-se diferente daquele fim que se assume como intenção do educador, isso traz a tona a necessidade de analisar os efeitos do currículo naqueles que se assumem como alunos, em particular no como tais efeitos vieram a se ocorrer. Essa é a investigação da própria metodologia assumida como parte do currículo. Assim, a prática de ensino é também parte do Currículo, intrinsecamente associada a ele. Não se pode discutir o que ensinar, sem discutir ao mesmo tempo o como ensinar.

Tão simples como isso!

14 de abril de 2009

O MOVIMENTO DA POESIA


O avanço da mentalidade capitalista, a partir do século XIX, e o conseqüente crescimento das cidades obrigaram a uma revisão do conceito de "Literatura", opondo o sistema econômico, motivado pelo lucro comercial, o quantitativo tomado como qualitativo, à instituição literária, considerada a partir do prestígio que os diferentes gêneros textuais provocam em seu interior. De alguma maneira, reinventou-se o conceito de Literatura pensada a partir de listas como ‘os mais vendidos’.

Isso afetou em especial à poesia no espaço. O novo público leitor que emerge no século XIX, burguês, em sua maioria localizado nas cidades, espaços em contínua expansão, não consome poemas, carregados de um lirismo que não se traduz em uma ação imediata e empolgante, antes prefere a ação presente no teatro e nos romances. Apesar disso, herdeira de um passado valioso cujo início é anterior ao da própria escrita, a poesia é ainda considerada a arte por excelência, embora sem mercado. Ela é qualidade sem quantidade. O que cria um paradoxo curioso: é símbolo de prestígio social, mas apenas uma pequena elite, nem sempre econômica, se dispõe a consumi-la. A poesia não se sujeita às leis econômicas do mercado. É a própria representação da imagem estereotipada do poeta: o erudito marginalizado pela sociedade – admirado por muitos, mas querido por poucos.

Walter Benjamin, em Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo (1989), aborda o tema da “flânerie” contrapondo-o à ascensão do capitalismo e ao crescimento das urbes. Essa contraposição é, ao mesmo tempo, uma complementação. Nas cidades, “as relações recíprocas dos seres humanos (...) se distinguem por uma notória preponderância da atividade visual sobre a auditiva” (Op. Cit. 36). Para melhor viver o (e no) mundo ao seu redor, o poeta precisa vê-lo e, para isso, constrói uma nova identidade, torna-se “flâneur”. Caminhar não para chegar a um destino, mas para compreender essa emergente cidade que se transforma constantemente sob uma nova realidade econômica.

A cidade enreda o homem, distrai-o, banaliza o espaço na multiplicação das possibilidades. “A cidade é a realização do antigo sonho humano do labirinto. O flâneur, sem o saber, persegue essa realidade” (Id., 203). O desconhecimento de que errar pelas ruas é decifrá-las, torna o seu aprendizado uma surpresa. Mas, é esse surpreender-se, essa descoberta inesperada do real e de sim mesmo que, o flâneur, sem o saber, deseja.

O poeta, não podendo aspirar ao poder; na impossibilidade de transformar o outro em mercadoria, aspira ao prazer. O passar do tempo no flanar pela cidade não visa ao ter, mas torna-se a procura do prazer, que seria menos limitado se pudesse ser extraído da própria sociedade. Um quase-círculo que obriga o poeta a procurar alguma forma de identificação com a mercadoria que, em um primeiro momento, rejeita.

“Tinha de saborear essa identificação com o gozo e o receio que lhe advinham do pressentimento de seu próprio destino como classe. Por fim tinha de prover essa identificação com uma sensibilidade que ainda percebesse encantos nas coisas danificadas e corrompidas.” (Id.: 55)

Essa realidade que alimentou a nossa sociedade atual preserva a errância na poesia.
O espaço da caminhada, misto de ócio com ação filosófica, é o próprio espaço para o desenho da vida. Um olhar excessivamente consumista sobre o mundo infiltra-se como o ar, fazendo-nos respirar – e perpetuar – normalidades inventadas, ao mesmo tempo que promove o espirito do não-mover-se. A cristalização impede o erro. Mas na segurança de quem só acerta porque não se move, empobrecemos a linguagem, retiramos a poesia de nossa existência e apequenamos a nossa identidade.