26 de fevereiro de 2009

A PROCURA DE UM EU BRASILEIRO


O encantamento romântico com o Brasil é ainda um lugar comum.Somos o país do alegre carnaval, da natureza exuberante, do povo simpático e carinhoso, do samba, o país do futebol. As belezas naturais é a persistente imagem que procuram em nós, brasileiros, e é a necessária imagem que vendemos. Somos o país "gigante pela própria natureza", como muito bem nos diz o hino nacional. Nossas matas,nossas praias, o Pantanal, a Floresta Amazônica, a natureza que deslumbra,que encanta e que evoca discussões ecológicas em que se revela toda a preocupação com o futuro do mundo... e que pena tanta coisa bonita e tanta pobreza, com tanta poluição, isso não vai durar muito e ainda vão se arrepender de causarem tanto mal destruindo as florestas. E talvez não dure. Embora, na maior parte das vezes esse plural que causa tanta desgraça inclua o próprio que o enuncia.
O imaginário facilitado pela ausência de reflexão lança-se em uma teia de ideias muitas vezes contraditórias. Somos o país que não sabe se governar. Assim, à imagem da favelas, soma-se a idéia de que no Brasil andamos de cipó, as nossas mulheres andam nuas e encontramos muita dificuldade em jogar futebol, pois as muitas árvores atrapalham as partidas.Sobram os menores abandonados a assaltarem os artistas da Rede Globo deTelevisão e os outros muito ricos que vivem em mansões gigantescas. Mas estes e aqueles não vivem nas matas e sim no Rio de Janeiro, um oásis repleto da tal poluição de que se falava há pouco, uma estranha cidade onde se refugiam todos os criminosos hollywoodianos. Nosso povo é simpático e carinhoso,mais do que isso servil. Nossas mulheres têm uma sensualidade à flor da pele e umas vergonhas tão limpinhas e bonitas que não dá vergonha nenhuma de mostrar, como já nos dizia Caminha. E como se expõem, e como gosta-se de vê-las. Afinal, o Brasil é terra de boas prostitutas, que fazem a qualquer homem gemer sem sentir dor.
Nossos homens são robustos, apreciam muito o trabalho físico, bons procriadores, pardos, preguiçosos. Esse exagero de pp é corrigido quando a mente superior do estrangeiro para aqui vem nos orientar. O brasileiro não sabe se governar.
Esse povo é muito alegre e sempre está disposto à festejar em sua limpinha pobreza.Gostam muito de música e de folguedos e se trabalhassem mais ao invés de andarem por aí a dançar, com certeza não teriam tanta miséria, como temos. Ah...mas nós, brasileiros da Carmem Miranda (e olhe, veja bem, ela nem era brasileira, era portuguesa e chamava-se Carmem, que tampouco é um nome muito comum aqui no Brasil... Ah... esses brasileiros...), nós brasileiros somos tão engraçados... Quando não estamos caçando, estamos sambando, desfilando no carnaval, ou vendendo as nossas santas mãezinhas nas ruas como prostitutas ou estamos fazendo filhos para se tornarem bons menores abandonados, ou estamos cantando e dançando e jogando bola... Nós? Brasileiros?
"O Guarani", de José de Alencar, revela a criação de um complexo mito, que abraçamos de coração com a independência sem nos darmos muito bem conta disso. Ao final do romance, Cecília e Peri unem as suas vidas,deixando para trás o seu passado, levado de enxurrada por um dilúvio. A portuguesa e o índio perdem as suas anteriores identidades e, pela união abençoada por Deus, iniciam o que resultará em um autêntico brasileiro, tomado metonimicamente como o próprio Brasil.E isso fizemos bem... Negamos o nosso passado, como se tivessemos nascido por geração espontânea... É verdade que boas razões explicam isso.
A colonização que originou o Brasil foi dura, cruel, assassina. E provavelmente não seria culpa exclusiva dos portugueses... Não acredito que se ocorresse o inverso,o Brasil teria colonizado de outra forma a Portugal. Ficou-nos uma enorme herança de pobres, de analfabetismo, de tradições caudilhistas e monopolizadoras... Herança que negamos, mas que nunca desapareceu. Herança que tampouco soubemos muito bem o que fazer com ela. Ficou-nos uma maneira de ver o mundo, de construir as casas, de pensar o futuro, de contar histórias... Uma maneira que também negamos, mas que tampouco desapareceu...
Seria a tristeza do fado muito diferente da tristezade um samba? Seria o nosso deslumbramento diante dos EUA, muito diferente do deslumbramento português diante da França e da Inglaterra? Seria a nossa irresponsabilidade ecológica muito diferente daquela que fez arruinar as florestas originais portuguesas de carvalhos e abetos transformando-as em pinhais? É pensar o Brasil como devaneio romântico que nunca se realiza a melhor maneira de encontrarmos a nossa identidade como brasileiros?
Profunda e até melindrosa questão da que têm se ocupado não poucos pensadores. É claro que o estereótipo acima não traduz toda a realidade do pensamento europeu sobre o Brasil, mas tampouco emerge por acaso. Fornece material para pensar o Brasil... para que nos repensemos. Não me proponho a estender mais sobre o assunto. O encaminhamento deste texto nos levaria a muitos, brasileiros ou não, que pensaram o Brasil para além da imagem romântica ou da fonte materna inesgotável fêmea parideira... Se a imagem é perceptível de interpretação.
Estarei sendo tão romântico como os Românticos? É possível... precisamos de Romantismo... Mas precisamos pensar o Brasil...Rever e refazer nossa relação com Portugal, que acredito, também precise rever e refazer a sua, sobre o risco de desatlantizando-se, mascarar-se de uma nova identidade européia que nunca teve. Precisamos constantemente reinventar o Brasil... Pensar em identidade não por opor-se ao passado ou àqueles que conosco dividem a mesma língua, mas na tentativa de construir umcontinuum que interligue ao invés de afastar, e no que temos em comum, nosconstruímos e percebemos nossas diferenças.

25 de fevereiro de 2009

EDUCAÇÃO PARA ENSINAR ou EDUCAÇÃO PARA APRENDER


Um currículo e uma metodologia centradas no ensino não são a mesma coisa que um currículo e uma metodologia centradas no aprendizado. Qual a diferença?


Quando centramos a nossa aula no ensinar, o importante é que o professor ‘dê uma boa aula’. O verbo ‘dar’ orienta o foco do processo: o professor detém o conhecimento e ele o concede de um modo interessante e atrativo a seus alunos. Na linguagem de muitos jovens educandos, ele ‘passa a matéria de um jeito legal’. Fazendo isso ele aparece como estrela no processo, independentemente do real aprendizado ocorrido. Ao contrário, nesse paradigma, o fato de os alunos não aprenderem e terem maus resultados é visto como indicativo de que o professor ensina bem, os alunos é que não aprendem. Sendo culpados, os alunos recorrem a explicadores e outros sistemas de apoio e o professor conserva o seu papel social.


O foco solicitado agora é outro: o aprender. Desejamos que nossos alunos aprendam e para isso pensamos em estratégias de aula que possibilitem isso, não preocupados que o estrelato do espaço da aula seja ocupado pela figura do educador. Na verdade, por assim dizer, desejamos dividir o palco. Nossa aula não se limitará a expor conteúdos, mas a construir conceitos e desenvolver habilidades.


Isso, naturalmente, não assegura que todos os alunos aprendam tudo o que nos propomos a ensinar, mas garante que o protagonismo das aulas seja um espaço dividido entre a figura essencial do professor que professa a sua crença no aprendizado pela prática educativa e a figura do aluno, que se assume agente co-responsável do processo de aprendizado.


Na prática cotidiana da sala de aula, entre os burburinhos dos alunos, as pressões do cotidiano e o constante desejo humano de realização pessoal, é importante desenvolver estratégias que assegurem a efetiva realização da aula como espaço para o processo de aprendizagem.

16 de fevereiro de 2009

ORAÇÃO DO TEMPO



Senhor, paro agora para pensar no tempo.
É tão rara a vida; preciso de tempo!
Não tempo-dinheiro; não tempo-coisa; não tempo-mesquinhez!
Senhor, dá-me tempo-tempo!
Senhor, permite-me ver o tempo, sentir o tempo,
o pulsar do tempo!
Ensina-me, então, como construir o pulsar da vida.
Da vida-tempo! Tempo, nosso, Pai!
Que meu coração acompanhe o pulsar do tempo.
Que meu tempo pulse acompanhando o pulsar
do meu coração. Vigia meu coração.
Irriga de amor cada momento de minha existência.
Inunda meu coração da tua sabedoria.
Que eu escolha tua sabedoria em todo momento.
Que eu espalhe tua sabedoria no pulsar de quem sou.
Que meus mais profundos sentimentos, cuidados por ti,
possam ensinar meu tempo a pulsar.
Envia teu Espírito para que possa eu aceitar meu passado,
guardando a imagem de quem eu sou,
de quem eu sou a teus olhos, Pai amado.
Envia teu Espírito para que possa eu projetar meu futuro
que guarde a imagem de quem eu sou,
de quem eu sou a teus olhos, Pai amado.
Dá-me a felicidade embrulhada no papel da ternura.
Para que minha vida seja feliz!
Para que eu seja feliz, verdadeiramente feliz,
e para que eu faça feliz quem de mim perto estiver
até que eu seja plenamente feliz a teu lado...
Em nome do teu Filho Jesus, na unidade do Espírito Santo.




Sobre o gênero
A oração é um gênero textual complexo. Pode ser visto tanto quanto um texto religioso quanto como um texto literário. Em termos simples, contudo, orar é conversar com Deus. Pessoas religiosas têm necessidade de conversar com Aquele a quem adoram.
As orações podem ser espontâneas, com o indivíduo usando de termos pessoais ou seguir certos padrões. Esses padrões podem ser previamente estabelecidos por uma comunidade e transmitidos de geração em geração (como o Pai-nosso) ou feitas por alguém especificamente (como a oração que aparece neste livro).
Por seu ritmo ao serem recitadas e por seu conteúdo de procura pela elevação humana, as orações, em especial as que seguem certos padrões, se aproximam da poesia.

10 de fevereiro de 2009

BEM-VINDOS ÀS AULAS, PROFESSORES NOTA ZERO!



A rede estadual de educação paulista utiliza o serviço de cem mil professores temporários. Em parte, para não arcar com o ônus extra que representa para o orçamento um professor efetivo. Não me parece uma desculpa muito nobre, mas criou uma possibilidade ímpar: a de avaliar esses temporários que, teoricamente, não têm estabilidade no emprego e, desse modo, selecionar, dentro dos 214 mil professores que se submeteram à prova da Secretaria Estadual da Educação, os melhores.

Os resultados dessa avaliação foram lastimáveis. Cerca de três mil tiraram zero, ou seja, não acertaram uma única questão das 25 sobre a matéria que lecionam. Em outras palavras, poderíamos dizer que nada sabem daquilo que se propõem a ensinar. Somente 111, lembremos: entre 214.000, tiraram dez.

O trágico é que os cerca de 1500 que se dizem professores e que tiraram nota zero poderão voltar às aulas, uma vez que o exame foi suspenso. Isso porque o sindicato dos professores (APEOSP) entrou com uma liminar alegando que esses que se dizem professores têm prestado serviço por anos e que por isso não devem ser descartados. Assim, embora identificados como péssimos funcionários e tirando o emprego de candidatos que tiveram resultados muito melhores, elas não são cortados do quadro de professores da rede por tempo de serviço.

Provas periódicas para os professores são uma realidade na maioria dos países que levam a educação a sério. O que se espera é que aqueles que têm maus resultados sejam afastados da sala de aula. Necessitam capacitar-se para a profissão que desejam. Que confiança teria você em um advogado que tirou "zero" no exame da OAB? E se ele tiver seu diploma validado com o argumento de que já advoga há muito tempo, mesmo sem conhecer as leis?

Ao invés do sindicato pensar na valorização do professor, optou, mais uma vez neste país, pelo 'cabide de emprego'. Pode até ser um professor nota zero, mas está tão acomodado no seu 'empreguinho' que nem vale a pena mexer nele. Esse é o sindicato que cuida de meus interesses! Enquanto isso, a população merece, pelo menos, que se disponibilize a lista dos resultados desses professores. Ao menos, para saber, já que pouco mais nos resta a fazer!

Mas, se a culpa fosse só dos professores ou do sindicato, isto seria um paraíso! O que poderíamos dizer do Poder Público que torna a minha profissão (Sim, eu sou professor!) algo risível com salários muito abaixo do que deve receber uma boa formação (ok, ok... uma formação já está bom, sem qualquer adjetivo!)? A resposta das Universidades não se fez demorar: uma formação abaixo do medíocre. E tão ruim é a formação da maioria dos futuros professores que, por vezes, como no caso desses 1500, chego a pensar que ganham muito mais do que deveriam!

Dia 16, alunos entrarão em sala de aula. Muitos deles contarão com os serviços de profissionais sérios e esforçados que, como eu, lutamos pela valorização salarial e moral de nossa profissão. Acho que nós merecemos ser bem recebidos em nossa volta às aulas. Mas também nossos alunos terão por ali muitos que se dizem professores e que pouco ou nada conhecem de sua profissão. E, todos nós, desejamos a esses que se dizem professores uma boa volta às aulas! Enquanto isso, a grande maioria dos talentos da educação brasileira estão longe, em outras profissões, esperando.... esperando...

2 de fevereiro de 2009

O ESPAÇO CIRCULAR DA LEITURA E DA VIDA


Ler é um processo de construção de sentidos no espaço de um texto. Como assim? “Espaço de um texto”? É que consideramos um texto como um espaço para construção de interpretações, como um terreno é um espaço para a construção de uma casa. Observe que dissemos interpretações, no plural. Isso porque os textos permitem inúmeras interpretações e usos. Mas, como espaço, todo texto tem limites que orientam a interpretação que fazemos dele. Em outras palavras, nem todas as interpretações que se poderiam fazer a partir de um texto são apropriadas.

Um dos principais limites à interpretação de um texto é o gênero textual ao qual ele pertence. Chamamos de gênero textual à forma que um texto assume na sociedade, na circulação cotidiana. Ir ao médico, procurar um emprego, trabalhar, divertir-se, educar-se são algumas das muitas atividades sociais que exigem diferentes gêneros textuais. São gêneros textuais uma ficha de cadastro, uma lenda, um depoimento no orkut, um relatório, uma entrevista, um poema, um artigo de opinião ou um projeto de pesquisa. A lista ruma ao infinito e modifica-se conforme mudam as necessidades sociais.

O surgimento do computador facilitou muito a nossa vida e modificou hábitos e práticas sociais. Junto com ele surgiu também um conjunto de novos gêneros textuais: e-mail, blog, msn, orkut etc que modificaram a nossa vida.

Contudo, os gêneros textuais também podem morrer. É a tendência da carta familiar, substituída, cada vez mais, pelo e-mail e pelo telefonema. Foi o destino da epopéia, gênero poético narrativo que produziu grandes obras da Literatura mundial e que hoje ninguém mais escreve.

Os gêneros textuais atendem a necessidades sociais e essas, por sua vez, orientam a nossa leitura. Isso faz com que a leitura de um dicionário seja muito diferente da leitura de um romance, por exemplo. Não lemos um pelos mesmos motivos que lemos o outro. Não é só a forma dos textos que é diferente, as finalidades a que se destinam também o são e há uma relação entre ambos: as finalidades de um texto orientam a sua forma.

Desta perspectiva, a leitura de um texto é um acontecimento social. Não lemos apenas um relatório, por exemplo, mas nos inscrevemos em uma atividade social na qual a leitura de um relatório é apenas uma das atividades. Assim, a leitura de um artigo de opinião, para citarmos outro exemplo, requer estratégias diferentes daquelas que utilizamos para ler uma receita culinária ou um conto. O domínio de tais estratégias, acompanhadas dos procedimentos sociais apropriados, assegura o nosso lugar no mundo, pois facilita a nossa interação com o outro.

A nossa identidade produz-se por meio de um movimento dúplice: por um lado, precisamos conhecer bem o espaço interior que nos constitui; por outro, precisamos relacionarmo-nos com os espaços dos outros ao nosso redor. Desses movimentos constrói-se quem somos. O contato com o outro, aspecto fundamental para a nossa identidade dá-se por meio da comunicação e essa, por meio de textos. Por sua vez, esses textos apenas surgem no nosso cotidiano na forma de gêneros que os limitam e orientam o nosso trabalho de construção de sentido. Construímos assim um espaço circular de leitura e de vida.