29 de novembro de 2010

SOBRE PLANEJAMENTOS, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

A seguinte história é de domínio público e é contada, pela tradição, de diferentes formas, ela fala do filósofo e do barqueiro:


Desejava o filósofo atravessar para o outro lado do rio. Uma vez que naquele caminho não havia uma ponte, contratou os serviços de um humilde barqueiro. Enquanto se deliciava com a paisagem, perguntou, um tanto em tom de troça, ao barqueiro:

“O senhor veja está paisagem! Isto me remete a Aristóteles... O senhor sabe quem foi Aristóteles, não?”


O pobre barqueiro, muito sem graça, limitou-se a dizer:


“Não sei não senhor!”



O filósofo em tom de reprimenda, acrescentou:


“Meu senhor, sem saber quem é Aristóteles, o senhor perdeu metade de sua vida!”


Um pouco mais adiante, o filósofo retornou:


“Bem, a tranquilidade destas águas! Isto me lembra Platão! O senhor, certamente, sabe quem foi Platão?”


Mais uma vez, o barqueiro teve de responder:


“Não sei não senhor!”


Mais uma vez o filósofo decepcionado, mas achando certa graça em humilhar o pobre barqueiro, disse:


“Ai, ai... O senhor, sem saber quem é Platão perdeu metade de sua vida!”


Iam nisso, o filósofo a puxar conceitos e vultos importantes da Filosofia e o barqueiro a sentir-se cada vez mais incapaz quando, de repente, o barco vira. O barqueiro rapidamente nada para a margem e, quando se dá conta, vê o filósofo se debatendo em vão contra a correnteza. O barqueiro grita:


“Doutor, nade rápido até a margem!”


Ao que o filósofo diz:


“Eu não sei nadar!”


E enquanto o filósofo se afundava nas águas do rio, ouvia o barqueiro dizer:


“O senhor, sem saber nadar, perdeu é sua vida inteira!”


(O barqueiro e o filósofo. Domínio público)


Qual a moral da história? Que não devemos estudar filosofia? Que o conhecimento não importa? Que basta saber nadar para ser feliz?


Sabemos da importância do estudo continuado para sermos bons educadores. Como síntese, podemos lembrar as palavras do educador Paulo Freire:


“Não podemos basear nossa crítica a um autor na leitura feita por cima de uma ou outra de suas obras. Pior ainda, tendo lido apenas a crítica de quem só leu a contracapa de um de seus livros”. (FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996, p. 16.)


O importante não é depreciar o conhecimento, mas dispor de diversos conceitos teóricos que nos permitam tomar a melhor decisão prática de acordo com o problema ou situação desafiadora que enfrentarmos, em um determinado lugar e momento histórico. Isso exige conhecer, interpretar a realidade e adequar-se a ela de modo crítico e questionador. Somos lembrados por Lino de Macedo que


“Temos muitos problemas a resolver, muitas decisões a tomar, muitos procedimentos a aprender. Isso não significa, obviamente, que dominar conceitos deixou de ser importante.(...) Vivemos em uma sociedade cada vez mais tecnológica, em que o problema nem sempre está na falta de informações, pois o computador tem cada vez mais o poder de processá-las, guardá-las ou atualizá-las. A questão está em encontrar, interpretar essas informações, na busca da solução de nossos problemas ou daquilo que temos vontade de saber” (MACEDO, Lino de. Competências e Habilidades: Elementos para uma reflexão pedagógica. Disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/competenciashabilidades.html)


Já vimos a importância de planejarmos nossas ações educativas. De um jeito um tanto diferente daquilo que muitos de nós fomos levados a pensar, o que se mostra eficiente no processo de realização de um planejamento adequado a um trabalho sócio-educacional com jovens é partir sempre do desenvolvimento de competências e habilidades, não do acúmulo de conceitos.


Por competência, referimo-nos aqui, essencialmente, ao que Lino de Macedo denomina como ‘competência relacional’, mas que podemos denominar ‘macro-habilidade’ e que se alicerça na capacidade do indivíduo relacionar diferentes conhecimentos em uma situação específica. O exemplo de Lino de Macedo toma o bom jogador de futebol: não é um bom jogador de futebol aquele que, simplesmente, sabe chutar a gol, fazer embaixadas, correr com a bola no pé, mas aquele que sabe coordenar todos esses conhecimentos em uma determinada partida de futebol.


As variadas habilidades somam-se e interagem entre si para que o jogador se mostre competente em campo. Assim, não apenas saber chutar a gol, mas identificar o momento mais adequado de chutar a gol deve coordenar-se com a habilidade de analisar as diferentes opções de jogadas disponíveis e tudo isso de modo rápido, quase instantâneo. Desse modo se revelará o jogador competente. As habilidades, desse modo, coordenam-se entre si formando macro-habilidades ou competências.


E quais são as competências que devem ser privilegiadas em um processo educativo e formativo de crianças e jovens?



Os estudiosos não são unânimes na formulação dessa resposta. Algumas respostas que vale a pena conhecer são:




• “Aprender a ser;


• Aprender a conviver;


• Aprender a fazer;


• Aprender a aprender.”


(DELORS, Jacques)





• “Domínio da Lecto-Escritura;


• Capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas;


• Capacidade de compreender, analisar, interpretar e sintetizar dados, fatos e situações;


• Compreender e operar seu entorno social;


• Receber criticamente os meios de comunicação;


• Acessar informações;


• Trabalhar em grupo.”

(Bernardo Toro)




• ”Confiança: Sentir-se capaz de fazer;


• Motivação: Querer fazer;


• Esforço: Disposição de trabalhar duro. Superar dificuldades;


• Responsabilidade: Fazer o que deve ser feito. Fazer correto;


• Iniciativa: Passar da intenção à ação;


• Perseverança: Terminar o começado;


• Altruísmo: Sentir preocupação pelo outro;


• Sentir Comum: Ter bons critérios ao avaliar e decidir;


• Solução de Problemas: Por em ação o que sabe e o que é capaz de fazer”


(Centro Latino-Americano de Investigações Educacionais)




• Leitura e interpretação de diferentes textos em diferentes linguagens: narrativos, poéticos, informativos (inclusive textos didáticos); mapas, fotos, gravuras, documentos de época, depoimentos, desenhos, esquemas, gráficos e tabelas, etc..


• Escrita: produção de textos diversos em diferentes linguagens; organização e registro de informações.


• Expressão oral: exposição de idéias com clareza; argumentação coerente; analisar argumentações de outras pessoas.


• Análise e interpretação de fatos e idéias: coleta e organização de informações; estabelecimento de relações; formulação de perguntas e hipóteses.


• Mobilização de informações, conceitos e procedimentos em situações diversas.


(Associação Cultura Franciscana - ACF)


Quando cabe ao educador definir, no planejamento, essas competências, deve manter bem claro o grupo em que elas deverão ser desenvolvidas. Manter a realidade no horizonte é essencial para encontrar uma lista prática de competências a desenvolver em um determinado período em um trabalho sócio-educativo.

O certo é que desenvolver uma competência não é o mesmo que apresentar um conceito ao grupo. Não se desenvolve a leitura e a escrita, como macro-habilidade relacional, apenas dando definições do que é ler e escrever. Tampouco se desenvolve a perseverança simplesmente fazendo sermões sobre como é importante acabar o que se começa. É necessário pensar ações que mobilizem os adolescentes e jovens sob os nossos cuidados. Daí, mais uma vez, a importância do planejamento adequado.



Levando em conta a necessidade de articular o conhecimento que o estudante traz sobre um tema com as novas informações, a partir dos elementos novos que estão mais próximos desse conhecimento que o estudante tem. A esse conhecimento prévio que o educador pesquisa do universo do estudante para adequá-lo às informações novas chamamos avaliação diagnóstica.

O planejamento adequado leva em conta a voz, a personalidade, o espírito do outro.

25 de novembro de 2010

COMO CONVERSAR COM UM ESTUDANTE?

Educar é também o ato da liderança e da conversa com um estudante. Assim, vale a pena refletir: "Como iniciar uma conversa?"



Uma conversa só começa, de fato, quando aquele a quem nos dirigimos se encontra disposto e receptivo. Se alguém ainda estiver ocupado com outra coisa, com os pensamentos em outro lugar, ela não está em condições de escutar.


É necessário, primeiro, encerrar no interior dos pensamentos e sentimentos a outra ocupação. Desse modo é que esse a quem nos dirigimos poderá começar a escutar-nos.


Para dar início à conversa chame aquele a quem você se dirige pelo nome. Quando alguém o chama pelo nome, você sabe que ele está se dirigindo a você, de modo pessoal. Mas, cuidado, o nome deve ser corretamente pronunciado.


A seguir, confirme que o contato ocorreu. Isso se dá pelo olhar. O contato pelo olhar permite avaliar se a interação foi estabelecida. No olhar daquele a quem você se dirige, procure os sinais para saber como ele se sente, o que está se passando na sua alma. O contato do olhar permite que o outro se sinta dignamente respeitado.


Faça, então, uma pequena pausa para tomar fôlego. Só depois comece a falar. Essa pequena pausa permite ao outro entrar em sintonia com você. Ao concentrar-se sobre a sua própria respiração, você entra em contato com o seu próprio ânimo e com os seus sentimentos. Esse autocontrole, aclara a situação e facilita a relação com o interlocutor.

11 de novembro de 2010

SEMIÓTICA APLICADA À EDUCAÇÃO: Campo fértil para pensar a prática docente

“A Semiótica e a Educação têm muito em comum: ambas almejam o conhecimento de tudo.”

Na rua, observo uma senhora parada, esperando o semáforo abrir, enquanto enxuga o suor do seu rosto. Encaro o gesto como um indício do seu cansaço. Suas roupas me dizem que ela é uma mulher simples. O semáforo vermelho, por outro lado, me diz para esperar. A placa da rua sinaliza-me onde estou. Um carro passa com o som alto, ouve-se uma música popular que parece não combinar com o valor do veículo.

O ser humano é, antes de tudo, um ser intérprete e o mundo está cheio de significados a serem construídos: gestos, cores, letras, acontecimentos, objetos etc pedem, a todo o momento, para serem interpretados. A tudo podemos atribuir um significado. O campo do conhecimento que se preocupa com o significado, tal como ele é construído no mundo, seja por meio de palavras, gestos, cores ou por tudo aquilo a que podemos atribuir sentido é a Semiótica.
A Semiótica estuda o significado que os intérpretes constroem por meio de signos. Um signo é formado por um significado (aquilo que o signo significa) e um significante (o que usamos para representar o significado). Há dois tipos de signos que, particularmente, nos interessam em nossa exposição: os ícones e os índices.
O ícone será aqui considerado como um signo que procura a semelhança entre o significado e o significante. Um mapa apresenta-se como um signo que procura traduzir as baías, cabos e outros acidentes geográficos com o maior rigor possível, aproximando-se ao máximo da realidade, até mesmo por meio do uso de escala.
Quanto mais próximo da realidade que deseja ‘retratar’, maior a iconicidade do signo. Assim, a fotografia a seguir:
se revela com um nível maior de similaridade com a realidade do que esta representação:
Índice será definido, aqui, como um signo em que há uma relação física ou causal entre o significante e o significado. Por exemplo, uma alteração do termômetro pode indicar que o tempo esfriou e, por isso, precisamos sair à rua mais agasalhados. Um olho roxo é indicio de que alguém levou um soco.
A presença de fumaça
indicia a existência de fogo:
Como se diz: onde há fumaça, há fogo.
Mas, há uma diferença sempre clara entre ícone e índice?
É fácil ver em um mapa um bom exemplo de ícone e em um olho roxo um exemplo adequado de índice. Contudo, no universo de signos que nos rodeia, nem sempre é fácil distinguir um ícone de um índice e, por vezes, essa distinção cabe unicamente ao intérprete, aquele que interpretará o signo. Além disso, a relação indicial entre o significado e o significante nem sempre será percebida da mesma forma por todos os intérpretes.
Alguém poderá ver em um signo, uma imagem, por exemplo, apenas o significado imediato que ela propõe. Outro, procurará compreender esse mesmo signo, digamos, uma imagem procurando a relação causal entre o significante e o que está sendo representado encontrando nela uma relação causal diferente daquela que um terceiro poderia construir.
Isso se torna especialmente interessante ao pensarmos no universo da Educação. Por exemplo, o que é uma prova: um ícone que traduz o significado “quem é o aluno?” ou um índice que nos encaminha para diferentes relações causais? E que relações causais são essas?
Circula entre professores, mais em tom de piada do que sério, o comentário: “Menino, eu já expliquei dez vezes a mesma coisa e você não entendeu?”. Se onde há fumaça, há fogo, o que nos indicia tal comentário sobre fazer pedagógico?

Tanto ao analisarmos uma nota baixa em uma prova ou ao depararmo-nos com um aluno que não compreende uma explicação podemos ver, facilmente, um aluno com limitações, do mesmo modo que ao vermos uma baía em um mapa de uma determinada ilha sabemos que ela corresponde a uma baía na geografia real dessa ilha. Outros, no entanto, procurarão, de modo mais cauteloso, uma relação causal, mas qual? O estudante não estuda o suficiente? O estudante não presta atenção às aulas? O estudante está com problemas pessoais? Ou, em outra direção: as aulas e/ou as explicações não estão atingindo os objetivos propostos? Os conteúdos abordados não são os indicados para esse grupo de alunos? Faltam conhecimentos que deveriam anteceder aos que agora estão sendo abordados.


Cada uma dessas causas aponta para caminhos diferentes de solução. Algo que deve ser feito, não apenas compreendido. Sempre me parece mais prático considerar uma avaliação, seja formal – como uma prova – ou não, como a correção de um exercício, como a possibilidade de indiciar o que pode ser feito para melhorar a relação de ensino-aprendizagem, para que o alunos, sujeito da aprendizagem, efetivamente aprenda e desenvolva as habilidades objetivadas.

Claro que o sentido de considerarmos um momento de avaliação do aluno como índice, procurando causas, é o de tomar as providências apropriadas para sanar os problemas identificados. Não para transferir responsabilidades.

Aqui entre nós, contudo: se eu explicar dez vezes a mesma coisa para alguém e esse alguém não entendeu nada do que eu disse, antes mesmo de tentar entender o porquê, eu já me dei conta de que terei de mudar o jeito de explicar. Talvez nem chegasse à décima explica explicação. Talvez depois de explicar duas ou três vezes a mesma coisa, do mesmo jeito, procurasse caminhos diferentes.