13 de novembro de 2013

APROXIMANDO-NOS DA ARGUMENTAÇÃO



Todo texto visa a convencer o seu leitor de alguma coisa. Ou seja, todo texto procura fazer o leitor aderir a uma determinada opinião. Para isso, o produtor aciona diversas estratégias, que denominamos procedimentos argumentativos. Tomemos um exemplo.  De que procura nos convencer o texto a seguir?


Retrato de uma princesa desconhecida

(1)     Para que ela tivesse um pescoço tão fino
(2)     Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
(3)     Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
(4)     Para que a sua espinha fosse tão direita
(5)     E ela usasse a cabeça tão erguida
(6)     Com uma tão simples claridade sobre a testa
(7)     Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
(8)     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
(9)     Servindo sucessivas gerações de príncipes
(10)    Ainda um pouco toscos e grosseiros
(11)    Ávidos cruéis e fraudulentos
(12)    Foi um imenso desperdiçar de gente
(13)    Para que ela fosse aquela perfeição
(14)    Solitária exilada sem destino

ANDRESEN, S. M. B. Dual. Lisboa: Caminho, 2004. p. 73.

Observemos, mais de perto o poema a partir já do primeiro verso: “Para que ela tivesse um pescoço tão fino”. O pronome ‘ela’ fornece ao leitor, pelo menos, três informações importantes a saber que vão se apresentar informações sobre um elemento

  1. feminino;
  1. singular;
  1. conhecido do leitor.

A terceira informação não se verifica, em um primeiro momento, na prática leitora imediata, ou seja, não sabemos de que ‘ela’ se está falando no poema. É um ser feminino, único, mas desconhecido do leitor. De fato, o título do poema fica mais claro, trata-se do “Retrato de uma princesa desconhecida”. Todo título merece ser lido e usado como guia de leitura. Nele as informações aparentemente desconexas do poema ganham um sentido mais coeso.

Assim mesmo, despertados pelo incômodo ou estranhamento provocado por essa aparente incoerência, ficamos mais atentos aos substantivos que aparecem a seguir no poema: “pescoço” (verso 1); “pulsos”(verso 2); “olhos”(verso 3); “espinha”(verso 4); “cabeça” (verso 5) a que são atribuídas qualidades: “fino”(verso 1); “quebrar de caule”(verso2); “frontais e limpos”(verso 3); “direita”(verso 4); “erguida”(verso 5).

Trata-se de uma mulher e não de uma mulher qualquer, mas de uma princesa, como nos diz o título do poema, descrita ou retratada como um ser perfeito, “Com uma tão simples claridade sobre a testa” (verso 6). O olhar do texto, como já anunciado no título, não se detém em quem ela é, como indivíduo – trata-se de uma desconhecida –, mas antes no que foi necessário “para que” ela, a princesa desconhecida se tornasse assim.  Nesse sentido, a repetição de “para que” torna-se muito importante na engenharia do poema. E para que ela fosse como ela é, “Foram necessárias sucessivas gerações de escravos” (verso 7).

Esses escravos não serviram apenas a essa princesa desconhecida. O poema afirma que eles trabalharam “de corpo dobrado e grossas mãos pacientes” para “sucessivas gerações de príncipes” (verso 9). Assim, enquanto a princesa é toda beleza, os escravos são colocados numa situação inferior, “dobrados” e deles apenas ficamos sabendo das mãos “grossas” e “pacientes”. Mas os príncipes não nasceram nessa condição superior, como a princesa desconhecida. Ao contrário, eles eram “um pouco toscos e grosseiros / Ávidos cruéis e fraudulentos”. Sobre a evolução moral dessa elite, não sabemos. Apenas sabemos da beleza externa da princesa que poderia continuar sendo cruel e fraudulenta, mas agora não mais tosca ou grosseira.

Essa transformação exigiu “um imenso desperdiçar de gente”. Ainda que o texto fale de uma princesa específica, cujo nome não nos é dado a conhecer, o poema se  posiciona não especificamente contra ela, mas contra todos aqueles que se consideram melhores que o restante da humanidade, príncipes, e conseguem tratamentos privilegiados a partir do trabalho compulsório (ou seja, obrigatório) de outros seres humanos. Em outras palavras, o poema, embora descreva uma situação tenta nos influenciar a aderirmos a uma determinada opinião:

O trabalho compulsório de escravos proporcionou privilégios aos príncipes.

Por argumentação entendemos qualquer tipo de procedimento utilizado pelo produtor de um teto com vistas a levar o leitor a dar a sua concordância com uma tese defendida pelo texto.


Por tese, entendemos uma afirmação que pode ser negada ou confirmada, ou seja, o leitor pode atribuir um valor de VERDADE ou FALSIDADE. Em outras palavras, o leitor pode considerar a afirmação como sendo verdadeira ou falsa. Por isso, ela precisará ser defendida (ou argumentada) no corpo do texto.

Exemplo de TESE:

o trabalho compulsório de escravos proporcionou privilégios aos príncipes.

Essa é a tese implícita ao poema "Retrato de uma princesa desconhecida"  Ou seja, mesmo que ela não esteja ali, clara, com todas as letras, o leitor deve poder compreendê-la e reconhecer qual a posição defendida pelo texto que lê.

Numa tese, temos sempre:

Um sujeito abstrato (genérico): o trabalho compulsório de escravos (Quem ou o quê? Ou seja, de quem se fala...)
Um verbo: proporcionou (o que esse sujeito faz)
Um complemento do verbo: privilégios aos príncipes (o que proporcionou? A quem?)

A tese não precisa ser apresentada de modo explícito, palavra por palavra, em um texto. Ela, contudo, deve ser identificável para o leitor.  Ou seja, mesmo que ela não esteja ali, clara, com todas as letras, o leitor deve poder compreendê-la e reconhecer qual a posição defendida pelo texto que lê. 

Quando um texto tem como objetivo principal analisar e interpretar dados da realidade por meio de conceitos abstratos visando a convencer-nos de uma tese, estamos diante de um texto dissertativo-argumentativo.


No texto dissertativo-argumentativo, a tese se desenvolve não a partir de conceitos específicos, como ao falar de uma determinada princesa, mesmo que desconhecida, mas sempre a partir de conceitos abstratos.

Por conceitos abstratos, entendemos conceitos amplos, genéricos, que nos remetem não a uma situação específica, mas a algo geral, aplicável a muitas circunstâncias diferentes. 


Vejamos um exemplo de um texto dissertativo-argumentativo:



Exclusão digital é um conceito que diz respeito às extensas camadas sociais que ficaram à margem do fenômeno da sociedade da informação e da extensão das redes digitais. O problema da exclusão digital se apresenta como um dos maiores desafios dos dias de hoje, com implicações diretas e indiretas sobre os mais variados aspectos da sociedade contemporânea.

Nessa nova sociedade, o conhecimento é essencial para aumentar a produtividade e a competição global. É fundamental para a invenção, para a inovação e para a geração de riqueza. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) proveem uma fundação para a construção e aplicação do conhecimento nos setores públicos e privados. É nesse contexto que se aplica o termo exclusão digital, referente à falta de acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas tecnologias, por motivos sociais, econômicos, políticos ou culturais.

(do ENADE - 2011)

Dados concretos aparecem em um texto dissertativo apenas para ilustrar leis ou teorias gerais. Além disso, embora na dissertação não exista uma progressão narrativo-temporal dos enunciados, ou seja, não se está contando uma historinha, mais do que em qualquer outro texto, é muito importante deixar claro ao leitor as relações lógicas que os enunciados mantém entre si.

O texto disserativo-argumentativo não permite que se altere à vontade a sequência do que se diz. Usualmente, após apresentar o tema tratado, dando a dimensão da importância do que se irá defender, apresentamos os argumentos. Primeiro, os mais fracos e, em ordem crescente, deixamos o mais forte para o final. Claro o que são argumentos mais fracos ou mais fortes dependerá muito de que leitor se tem em mente ao escrever. Por exemplo, o que pode ser decisivo no campo da ciência para um religioso católico pode não o ser para um médico ateu.

No término do texto dissertativo-argumentativo, é comum fazer uma síntese do que se falou, mais uma vez, considerando o leitor que se tem mente e destacando uma ideia conclusiva.