19 de julho de 2012

COMPREENDENDO O ESTUDO DA LINGUAGEM E DA ARTE NA ESCOLA CRISTÃ

  
      A escola confessional como espaço de construção da identidade cristã, na dimensão humana da existência moral, social e individual, ultrapassa, em muito, os limites do que é diretamente particular da Igreja, para alcançar a universalidade da mensagem e do viver cristãos. Torna-se, desse modo, um espaço de conciliação e diálogo entre os saberes, que não se confundem entre si, nas suas especificidades epistemológicas, mas (com)partilham a possibilidade de construir a partilha e a união.
Isso lança-nos, a nós, educadores, em um movimento que, apenas aparentemente, parece contraditório entre aceitar o pluralismo dos saberes e respeitar os diferentes limites do conhecimento. Em outras palavras, isso significa dizer que um componente curricular não pode ser tomado pelo outro, por exemplo, o Ensino Religioso e Língua Portuguesa não podem ser intercambiados entre si, substituídos um pelo outro no currículo escolar, contudo, isso também significa que os diferentes componentes curriculares devem construir o maior número possível de espaços de aproximação, de modo que conhecimentos específicos de Língua Portuguesa possam ser aproveitados em situações de apredizagem em Ensino Religioso e vice-versa.
Qualquer atividade interdisciplinar promovida na escola deve respeitar tais limites. Isso exige compreender o aluno como um indivíduo que, sendo sempre um, não pode cindir-se -nem sob a (des)orientação do professor - a ponto de ser incoerente consigo mesmo. Para isso, uma das primeiras tarefas da escola é promover a capacidade de confrontar ideias diferentes e até contraditórias em um clima permanente de diálogo e coerência.
Um dos papéis centrais da educação confessional é promover a integridade do ser humano, possibilitando que este construa relações vitais consigo mesmo e com a sociedade. Por sociedade, queremos aqui, junto com o filósofo cristão Jacques Maritain, compreender uma base tríplice formada pelo ambiente social,pel o trabalho e pelo bem comum. Essa atitude social possibilita substituir o espírito individualista por uma atitude dialógica que valoriza o ser humano como ser psicossocial. Essa valoriação faz emergir os sentidos de liberdade e responsabilidade.
Até aqui, não há nada de específico ao campo dos estudos metodológicos da área de Linguagens. O que dissemos pode ser aplicado a qualquer componente curricular. Sejamos, então, mais específicos.
O atual paradigma dos estudos linguísticos considera linguagem como o trabalho feito com o código, visando à interação social. Dessa perspectiva, a linguagem, tomada como trabalho, é um dos elementos constitutivos da sociedade. A linguagem trabalha ao produzir as diferentes situações comunicativas que vivenciamos no dia a dia, de caráter prático e imediatista, mas também em uma dimensão espiritual e transcendente, seja espírito aqui tomado como sinônimo da dimensão cultural ou religiosa do ser. Em qualquer dos casos, a linguagem produz transcendência.


Em uma dinâmica cristã, os amores divino e o fraterno se complementam - não se opõem - construindo o avançar de quem somos, como seres essencialmente humanos: Eu e o Outro. E esse esforço de construir pode e deve estar presente em todos os componentes curriculares, ao promover o estudo de todos os objetos cabíveis ao currículo escolar, como as Artes, a Língua Portuguesa, a Língua Estrangeira, a Educação Física, sem que isso signifique aulas de Teologia ou Catequese.
Falemos, especificamente, das Artes.
A esfera das Artes, tomada como atividade da linguagem, é um fazer que surge de um macrossistema plural de códigos e que possibilita, em suas diferentes manifestações, como a literatura, a pintura, a música, a dança, o teatro etc o estudo sistematizado escolar. De outro modo, as Artes não poderiam, ao mesmo tempo, ser Linguagem e Códigos e estar na escola.
Os componentes curriculares que estudam as Artes não confundem as suas fronteiras com os trabalhos de outros componentes curriculares, como Ensino Religioso, mas, em muitos momentos, haverá importantes aproximações que não precisam ser negadas, das quais os professores não precisam se desviar. Ao contrário, tais aproximações são bem vindas.
Neste contexto podemos introduzir a tema de Arte Cristã na Escola. A arte cristã é aquela que possibilita a leitura da esperança e de inquietação próprios do espírito evangélico. É uma arte que traz para si tanto o profano como o sagrado. Não é uma arte feita para o espaço da Igreja, mas para a alma humana. Portanto, não é necessariamente encontrada no ambiente religioso. Por vezes, até, não é feita para tais ambientes e não provoca diretamente a devoção do fiel, mas é, antes de tudo, uma arte que provoca... É uma forma de arte que não reside apenas nas habilidades do artista mas, tanto ou mais, nas habilidades do público leitor. O poema cristão não precisa falar do Cristo, mas precisa provocar o cristão.
Empresa difícil esta: porque é difícil ler, porque é difícil ser artista e, acima de tudo, porque é muito mais difícil , de fato, ser cristão. Contudo é no deságue dessas três torrentes que se encontra o que aqui definimos como arte cristã. É, então, compreensível a tentação de simplificar o processo e confundir arte cristã com arte sacra.
Podemos considerar a arte sacra como a a arte pedagógica, que visa a ensinar ou a motivar uma determinada atitude de devoção. É a arte que se encontra no ambiente especificamente religioso: a imagem ou a música que promovem o adequado espírito de devoção, por exemplo. Sem dúvidas, a arte sacra ideal seria também cristã (ou religiosa, se alargarmos o conceito para fazermos coincidir o espírito essencial do ser cristão com uma atitude de algum modo resgatável na religiões em geral), porém nem toda arte sacra consegue ser, efetivamente, arte cristã, tal como o estamos definindo aqui e, de fato, tampouco o precisa ser.
Isso porque quando a obra de arte nasce principalmente com a preocupação de edificar devocionalmente o outro já nasce fadada a não ser uma obra de arte cristã, mas apenas sacra. A preocupação de persuadir o outro é uma função que dificulta a construção da obra de arte e, com isso, da arte genuinamente cristã. Vale lembrar, a atitude a manter é a do diálogo entre os diferentes saberes (neste caso, o do artista e o do cristão), mas no constante esforço de não confundir essas fronteiras. “A obra cristã quer o artista livre, enquanto artista” nos diz Jacques Maritain. Podemos dizer o mesmo do leitor, como artesão do processo de leitura da obra de arte: ele precisa ser livre para ser leitor cristão da obra e encontrar nela traços de duas inspirações que a devem constituir como trabalho cristão: a inspiração divina e a humana.
Mas, o que torna o artista ou o leitor colaboradores na produção da arte cristã?
A possibilidade de refletirem no seu interior a clareza da graça encontrando, na obra, tal caminho. A beleza da obra deixa entrever a presença do Cristo no coração do artista e do leitor. O contato com a obra – seja na produção, seja na sua leitura – torna-se um momento de contemplação ativa: trabalho com a linguagem promovendo o ser cristão, construindo de algum modo, a fé, a esperança e a caridade, edificando a liberdade e a responsabilidade de sermos santos profanos, ou seja, santos que podem, por não terem um compromisso direto com Teologia da Igreja, a possibilidade de serem um trabalho educacional da escola, intermediado pela construção da e na linguagem, em atitude reflexiva e responsiva
Para Saber Mais:

MARITAIN, Jacques. Arte y Escolástica. Buenos Aires: Club de Lectores, 1972.
      MARITAIN, Jacques. La educación en la encrucijada. Madrid: Ediciones Palabra, 2008

13 de julho de 2012

O LUGAR CRISTÃO DO ESTUDO ESCOLAR DA LINGUAGEM


"Se o mal cresce ao lado do bem... o bem, todavia, cresce mais" (Jacques Maritain)

Frequentemente tenho me perguntado no que muda estudar língua portuguesa em uma escola católica ou estudar língua portuguesa em uma escola laica. Ou seja, no que respeita especificamente ao objeto de estudo, a linguagem.

Isso equivale a perguntar, em outras palavras, no que uma proposta de educação genuinamente cristã altera o estudo escolar da linguagem, ou ainda, como o estudo escolar da linguagem (nas suas diferentes manifestações escolares, Artes, Educação Física, Língua Estrangeira Moderna e Língua Portuguesa) é efetivamente afetado por uma proposta de vivência cristã, tal como a que é proposta por uma escola confessional? O que me proponho é uma reflexão tímida sobre alguns dos princípios que alimentam o modo de pensar no filósofo cristão Jacques Maritain e, desse modo, começar um esboço de resposta.

O atual paradigma de estudos da linguagem, na escola, considera que o fim último do estudo da linguagem está sempre além da própria linguagem. Os Parâmetros Curriculares, de inspiração bakhtiniana, o situam na construção humana da ação e da identidade. A linguagem nos constitui como indivíduos, ao passo que agimos em sociedade.

Estudamos linguagem para sermos, mais plenamente, seres psicossociais, isso significa, manifestar mais plenamente as potencialidades da natureza humana. Assim, o estudo da linguagem se assume como um espaço em que participam também os estudos filosóficos e sociais assumindo a consciência da imensidade dessa tarefa que ultrapassa em muito os estreitos limites da transmissão de conhecimentos.

Desse modo, o estudo da linguagem, em uma instituição cristã, deve facilitar o desenvolvimento de uma atitude contemplativa diante da vida que se manifesta e concretiza na ação, permitindo uma constante renovação da espiritualidade em que participam a cultura e a práxis e investem na potencialidade do ser humano.

Ações e identidades construídas no processo de reflexão e uso da linguagem, em sala de aula, devem revelar o espírito e os princípios cristãos. Isso não por replicarem as regras da Igreja, numa atitude meramente catequética, mas pelas iniciativas e responsabilidades praticadas, de cunho humano e, ao mesmo tempo ou exatamente por isso, sagrado. Pensa-se assim, com Maritain, em um sagrado revelado no agir humano temporal, secular e profano.

3 de julho de 2012

O QUE É LINGUAGEM? E ANÁLISE LINGUÍSTICA?



Quero escrever sobre um tema que me 'apoquenta' já há algum tempo... Especialmente, ao trabalhar com os nossos valorosos professores da área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias: Afinal, o que é linguagem quando vou pensar na prática de sala de aula? O que muda entre o que eu aprendi como sendo linguagem e o que eu tenho que, como professor, ensinar?

       Definimos linguagem como aquilo que fazemos com os diferentes códigos na sociedade e na construção psíquica do indivíduo. Pela linguagem, os indivíduos constituímos outros e nos constituímos.  A linguagem é um trabalho coletivo (discurso) feito com o código e orientado para uma finalidade em situação de uso. Ela se realiza como um espaço psicossocial em que os indivíduos atuam, realizam experiências.

       E é assim que deve ser estudada, em uma perspectiva de análise linguística. Compreendemos a análise linguística como o processo reflexivo dos movimentos dos recursos lexicais e gramaticais e da construção composicional de textos considerando seu gênero discursivo, suporte, meio/época de circulação e de interlocução (contexto). Relaciona-se às atividades (ações) de leitura e escrita (reescrita).

É ação de reescrita a refacção de um texto, mas também a compreensão expressiva de uma determinada palavra em um discurso.

Vejamos o trecho de um texto, retirado retirado da revista Capricho (http://capricho.abril.com.br/diversao/voce-feia-ou-bonita-416219.shtml):

Você às vezes se acha bonita e às vezes se acha um bagulho, certo? Bem... Ou você é um ou outro, minha querida, porque esse papo de ser as duas ao mesmo tempo é muito profundo e esta matéria aqui tem a profundidade de um pires!

      Não é suficiente que o estudante identifique os adjetivos no texto, a análise linguística em uma perspectiva discursiva leva-nos mais longe, por exemplo:

·         Que diferença faria no texto substituir o adjetivo “bonita” por “bela”?
              ·         O que a escolha do termo “bagulho” nos diz sobre o leitor visado pelo texto? Que outros vocábulos no texto reforçam essa escolha?
              ·         E se o enunciador desejasse dirigir-me a outro público?

Naturalmente, tal posicionamento obriga-nos a desenvolvermos, em sala de aula, o conhecimento e a reflexão das regras visando a atividades (reais) de recepção e produção.
O mesmo raciocínio é válido para as demais linguagens com as quais nos preocupamos na área.
Vejamos como exemplo a fotografia a seguir. Repare atentamente nos quadros que compõem o cenário:



        ·         O que se vê na fotografia? Que ideias são possíveis de serem construídas.
               ·         Identifique as características das obras de arte que aparecem na imagem.
            ·         Faria diferença, na construção de sentido que o leitor pode construir na interpretação do texto como uma crítica irônica à arte, se fossem obras clássicas renascentistas, tais como Da Vinci ou Michelangelo?
     
 Novamente, a compreensão dos códigos está a serviço de algo maior, a compreensão da própria linguagem e das intenções comunicativas do texto realizado como discurso.
Finalmente, vale lembrar que fazem parte da área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias as disciplinas de Língua Portugues, Língua Estrangeira Moderna, Educação Física e Artes.