Desejava o filósofo atravessar para o outro lado do rio. Uma vez que naquele caminho não havia uma ponte, contratou os serviços de um humilde barqueiro. Enquanto se deliciava com a paisagem, perguntou, um tanto em tom de troça, ao barqueiro:
O pobre barqueiro, muito sem graça, limitou-se a dizer:
“Não sei não senhor!”
O filósofo em tom de reprimenda, acrescentou:
“Meu senhor, sem saber quem é Aristóteles, o senhor perdeu metade de sua vida!”
Um pouco mais adiante, o filósofo retornou:
“Bem, a tranquilidade destas águas! Isto me lembra Platão! O senhor, certamente, sabe quem foi Platão?”
Mais uma vez, o barqueiro teve de responder:
“Não sei não senhor!”
Mais uma vez o filósofo decepcionado, mas achando certa graça em humilhar o pobre barqueiro, disse:
“Ai, ai... O senhor, sem saber quem é Platão perdeu metade de sua vida!”
Iam nisso, o filósofo a puxar conceitos e vultos importantes da Filosofia e o barqueiro a sentir-se cada vez mais incapaz quando, de repente, o barco vira. O barqueiro rapidamente nada para a margem e, quando se dá conta, vê o filósofo se debatendo em vão contra a correnteza. O barqueiro grita:
“Doutor, nade rápido até a margem!”
Ao que o filósofo diz:
“Eu não sei nadar!”
E enquanto o filósofo se afundava nas águas do rio, ouvia o barqueiro dizer:
“O senhor, sem saber nadar, perdeu é sua vida inteira!”
(O barqueiro e o filósofo. Domínio público)
Qual a moral da história? Que não devemos estudar filosofia? Que o conhecimento não importa? Que basta saber nadar para ser feliz?
Sabemos da importância do estudo continuado para sermos bons educadores. Como síntese, podemos lembrar as palavras do educador Paulo Freire:
“Não podemos basear nossa crítica a um autor na leitura feita por cima de uma ou outra de suas obras. Pior ainda, tendo lido apenas a crítica de quem só leu a contracapa de um de seus livros”. (FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996, p. 16.)
O importante não é depreciar o conhecimento, mas dispor de diversos conceitos teóricos que nos permitam tomar a melhor decisão prática de acordo com o problema ou situação desafiadora que enfrentarmos, em um determinado lugar e momento histórico. Isso exige conhecer, interpretar a realidade e adequar-se a ela de modo crítico e questionador. Somos lembrados por Lino de Macedo que
“Temos muitos problemas a resolver, muitas decisões a tomar, muitos procedimentos a aprender. Isso não significa, obviamente, que dominar conceitos deixou de ser importante.(...) Vivemos em uma sociedade cada vez mais tecnológica, em que o problema nem sempre está na falta de informações, pois o computador tem cada vez mais o poder de processá-las, guardá-las ou atualizá-las. A questão está em encontrar, interpretar essas informações, na busca da solução de nossos problemas ou daquilo que temos vontade de saber” (MACEDO, Lino de. Competências e Habilidades: Elementos para uma reflexão pedagógica. Disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/competenciashabilidades.html)
Já vimos a importância de planejarmos nossas ações educativas. De um jeito um tanto diferente daquilo que muitos de nós fomos levados a pensar, o que se mostra eficiente no processo de realização de um planejamento adequado a um trabalho sócio-educacional com jovens é partir sempre do desenvolvimento de competências e habilidades, não do acúmulo de conceitos.
Por competência, referimo-nos aqui, essencialmente, ao que Lino de Macedo denomina como ‘competência relacional’, mas que podemos denominar ‘macro-habilidade’ e que se alicerça na capacidade do indivíduo relacionar diferentes conhecimentos em uma situação específica. O exemplo de Lino de Macedo toma o bom jogador de futebol: não é um bom jogador de futebol aquele que, simplesmente, sabe chutar a gol, fazer embaixadas, correr com a bola no pé, mas aquele que sabe coordenar todos esses conhecimentos em uma determinada partida de futebol.
As variadas habilidades somam-se e interagem entre si para que o jogador se mostre competente em campo. Assim, não apenas saber chutar a gol, mas identificar o momento mais adequado de chutar a gol deve coordenar-se com a habilidade de analisar as diferentes opções de jogadas disponíveis e tudo isso de modo rápido, quase instantâneo. Desse modo se revelará o jogador competente. As habilidades, desse modo, coordenam-se entre si formando macro-habilidades ou competências.
E quais são as competências que devem ser privilegiadas em um processo educativo e formativo de crianças e jovens?
Os estudiosos não são unânimes na formulação dessa resposta. Algumas respostas que vale a pena conhecer são:
• “Aprender a ser;
• Aprender a conviver;
• Aprender a fazer;
• Aprender a aprender.”
(DELORS, Jacques)
• “Domínio da Lecto-Escritura;
• Capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas;
• Capacidade de compreender, analisar, interpretar e sintetizar dados, fatos e situações;
• Compreender e operar seu entorno social;
• Receber criticamente os meios de comunicação;
• Acessar informações;
• Trabalhar em grupo.”
(Bernardo Toro)
• ”Confiança: Sentir-se capaz de fazer;
• Motivação: Querer fazer;
• Esforço: Disposição de trabalhar duro. Superar dificuldades;
• Responsabilidade: Fazer o que deve ser feito. Fazer correto;
• Iniciativa: Passar da intenção à ação;
• Perseverança: Terminar o começado;
• Altruísmo: Sentir preocupação pelo outro;
• Sentir Comum: Ter bons critérios ao avaliar e decidir;
• Solução de Problemas: Por em ação o que sabe e o que é capaz de fazer”
(Centro Latino-Americano de Investigações Educacionais)
• Leitura e interpretação de diferentes textos em diferentes linguagens: narrativos, poéticos, informativos (inclusive textos didáticos); mapas, fotos, gravuras, documentos de época, depoimentos, desenhos, esquemas, gráficos e tabelas, etc..
• Escrita: produção de textos diversos em diferentes linguagens; organização e registro de informações.
• Expressão oral: exposição de idéias com clareza; argumentação coerente; analisar argumentações de outras pessoas.
• Análise e interpretação de fatos e idéias: coleta e organização de informações; estabelecimento de relações; formulação de perguntas e hipóteses.
• Mobilização de informações, conceitos e procedimentos em situações diversas.
(Associação Cultura Franciscana - ACF)
Quando cabe ao educador definir, no planejamento, essas competências, deve manter bem claro o grupo em que elas deverão ser desenvolvidas. Manter a realidade no horizonte é essencial para encontrar uma lista prática de competências a desenvolver em um determinado período em um trabalho sócio-educativo.
O certo é que desenvolver uma competência não é o mesmo que apresentar um conceito ao grupo. Não se desenvolve a leitura e a escrita, como macro-habilidade relacional, apenas dando definições do que é ler e escrever. Tampouco se desenvolve a perseverança simplesmente fazendo sermões sobre como é importante acabar o que se começa. É necessário pensar ações que mobilizem os adolescentes e jovens sob os nossos cuidados. Daí, mais uma vez, a importância do planejamento adequado.
Levando em conta a necessidade de articular o conhecimento que o estudante traz sobre um tema com as novas informações, a partir dos elementos novos que estão mais próximos desse conhecimento que o estudante tem. A esse conhecimento prévio que o educador pesquisa do universo do estudante para adequá-lo às informações novas chamamos avaliação diagnóstica.
O planejamento adequado leva em conta a voz, a personalidade, o espírito do outro.