20 de abril de 2011

A LEITURA DA FOTOGRAFIA (parte final): INTENCIONALIDADES ENTRE A FICÇÃO E A DOCUMENTAÇÃO

A fotografia de arte pode fundir a história com um relato ficcional. Essa fotografia apresenta a contramemória, o que não ocorreu, mas poderia ter ocorrido sob certas circunstâncias mais ou menos reais. O trabalho permite-nos analisar como um material de arquivo pode sempre desencadear uma compreensão parcial e emocional de um fato, no qual a verdade tem menos valor do que a emoção ou a reflexão que a fotografia pode causar.

Walid Ra’ad nasceu no Líbano e vive em Nova Iorque. É autor de um trabalho documentalista ao qual deu o nome de Grupo Atlas. Trata-se de um projeto multimída que inclui slides, filmes em vídeos e os cadernos de anotações de um suposto Dr. Fadl Faklouri um importante historiador de guerra falecido. A fantasia constrói um arquivo forjado aplicado ao exame direto de sérios problemas sociais, em especial, a guerra do Líbano. O material é feito de tal maneira que o fato ficcional não fica aparente, como se vê nas fotografias a seguir:

Walid Ra’ad, da série We decided to let them say, "we are convinced," twice, (2002)


Walid Ra’ad, da série We decided to let them say, "we are convinced," twice, (2002)


A holandesa Aleksandra Mir questiona o papel da mulher na sociedade. Em uma de suas fotos mais conhecidas, forjou um cenário lunar na faixa arenosa de uma praia para realizar a foto A primeira mulher na Lua.
Aleksandra Mir, A primeira mulher na Lua (1999)


A falsificação documental, contudo, nem sempre precisa associar-se a uma crítica social. Essa fotografia pode construir arquivos cômicos ou fantásticos, como ocorre com o espanhol Joan Fontcuberta. Na série Herbarum, Fontcuberta nos apresenta formas vegetais surreais que quando vistas de perto se revelam ‘falsificações’: colagens de diversos materiais, como plantas e, até, animais. Observe:A
Joan Fontcuberta, Lavandula Augustifolia, da série Herbarum (1994)

Na série Fauna, para dar maior verossimilhança a seu trabalho, assim como Wallid Ra’ad, Fontcuberta inventou uma personagem, o  Dr. Peter Amersen-Haufen. O fotógrafo construiu o arquivo desse cientista fictício e nesse arquivo incluiu fotos e desenhos de animais muito estranhos como morcegos gigantes, pássaros com três asas e elefantes voadores:
Joan Fontcuberta, Threshchelonia Atis, da série Fauna (1988)

Joan Fontcuberta, da série Fauna (1988)
Pense em um projeto fotográfico de contramemória com seus alunos. Ou seja, eles criarão um documento ficcional. Poderão optar por usar a ficção para fazer uma crítica da sociedade ou pensar apenas no aspecto lúdico e fantástico de sua criação.

O importante, neste caso, é realizar, antecipadamente, os estudantes realizem um projeto do que pretendem fazer: O que será ficcional em sua criação? Por quê? Como construirão a verossimilhança de suas obras?

 

10 de abril de 2011

A INTENÇÃO COMUNICATIVA DA FOTOGRAFIA INTIMISTA DE ARTE

Adriana Sanguinetti. A babá (2006)

Já tratamos da fotografia que resulta de uma estratégia planejada. Agora, vamos abordar um estilo aparentemente despreocupado, aquelas fotografias que envolvem pessoas que amamos ou eventos significativos. Podem tais fotografias, por vezes com enquadramentos desequilibrados, iluminação desigual, borrões ou uma coloração destoante, serem consideradas como arte?
A fotografia íntima artística transforma as deficiências técnicas em linguagem artística. Por meio dessa linguagem que apenas aparentemente parece inabilidade de quem fotografou se constrói, por um lado, a intimidade entre o fotógrafo e seu tema e, por outro, como testemunha de um modo de vida, de um estar presente no mundo.

No começo dos anos de 1990, Richard Billingham começou a fotografar a sua família no pequeno apartamento num conjunto habitacional de baixa renda na periférica West Midlands. Desse modo Ray bêbado, Liz e Ray brigando ou partilhando uma refeição diante do televisor, Liz descansando, Jason jogando no computador saem da intimidade para serem expostos e revelarem um momento, ao mesmo tempo, artístico e histórico. Veja:

Richard Billingham, Sem título (1994)

Richard Billingham, Sem título (1994)

Richard Billingham, Sem título (1994)

O cotidiano que Billingham retrata é, ao mesmo tempo, um documento da vida domestica na Inglaterra do final do século XX e uma tentativa de compreender criticamente – e pelo olhar da arte – a realidade diária da vida em família.

Mas qual a diferença entre essa fotografia, considerada uma obra de arte e uma fotografia comum?

Essa é uma pergunta difícil de responder e que, talvez, nem valha a pena responder. Ao permitir a pergunta, a fotografia íntima permite a construção de um discurso sobre o que é arte que é, antes de tudo, um dos maiores objetivos da própria arte: falar sobre si mesa. Contudo, algumas diferenças podem, sim, ser estabelecidas. Vejamos.

A fotografia íntima de arte, em geral, substitui o esperado nos instantâneos de família por uma dimensão principalmente emocional. Observe nas fotos de Billingham como elas, de algum modo, retratam a depressão, a alienação, o cansaço, o amor. Os temas abordados pela fotografia íntima são infinitos: estar doente, dormir, vestir-se, falar, viajar, estar entediado, triste, alegre, animado ou sem vontade de conversar são algumas das muitas possibilidades.

As fotografias íntimas revelam também a trama complexa que compõe as relações familiares: quem fica ao lado de quem? Como essa pessoa se expressa ao lado da outra? Quem não aparece? Por quê? Ao permitir responder a essas perguntas, a fotografia íntima mapeia a vida emocional dos indivíduos, dando-lhes uma relevância social. A intimidade pode então estar sujeita, pela mão do artista, uma visão peculiar de realidade e a um julgamento.

Alessandra Sanguinetti nasceu em Nova Iorque, mas durante muito tempo, viveu na Argentina. Durante quatro anos acompanhou duas primas que moravam na periferia de Buenos Aires registrando a expressão das moças e suas escolhas ao se apresentarem. É o que vemos a seguir:


Adriana Sanguinetti. The conjurers (2006)