Acredito que valha a pena recapitularmos o que nos diz o filósofo francês Maurice Blanchot sobre o ato de ler o texto literário:
“Ouvir música faz daquele que só sente prazer em ouvi-la um músico, e o mesmo se pode dizer de quem gosta de ver um quadro. A música, pintura são mundos em que penetra aquele que possui a chave para eles. Essa chave seria o ‘dom’, esse dom seria o encantamento e a compreensão de um certo gosto. O amador de música, o amador de quadros, são personagens que ostentam suas preferências como um mal delicioso que as isola e de que se orgulham. Os outros reconhecem modestamente que não têm ouvido. É preciso ser dotado para ouvir e para ver. O dom é um espaço fechado – sala de concerto, museu – do qual a pessoa se cerca para desfrutar de um prazer clandestino. Os que não possuem esse dom ficam de fora, os que o possuem entram e saem a seu bel-prazer. Naturalmente, não se gosta de música só aos domingos; essa divindade não é mais exigente do que a outra."
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
Aqui uma pergunta:
• Esse dom, de que fala o filósofo, é apenas inato? Ou pode ser desenvolvido no espaço escolar? Ou no espaço familiar?
Mas continuemos o pensamento de Blanchot:
“Ler nem mesmo requer dons especiais e faz justiça desse recurso a um privilégio natural. Autor, leitor, ninguém é dotado, e aquele que se sente dotado, sente sobretudo que não o é, sente-se infinitamente desprovido, ausente desse poder que se lhe atribui, e assim como ser “artista” é ignorar que já existe uma arte, ignorar que já existe um mundo, ler, ver e ouvir a obra de arte exige mais ignorância do que saber, exige um saber que investe numa imensa ignorância e um dom que não é dado de antemão, que é preciso da cada vez receber, adquirir e perder, no esquecimento de si mesmo. Cada quadro, cada obra musical, faz-nos presente desse órgão de que temos necessidade para acolhê-lo, “dá-nos” o olho e o ouvido de que necessitamos para ver e ouvir. Os não músicos são aqueles que, por uma decisão inicial, recusam essa possibilidade de ouvir, que se lhe esquivam como a uma ameaça ou a um incômodo a que se fecham desconfiados”.
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
Mais questões:
• A estratégia de “receber, adquirir e perder” a obra de arte – música, quadro ou obra literária – não é uma forma, uma rotina, uma estrutura sobre a qual se constrói a novidade do ato de ler a Arte?
• Nesse caso, não cabe à Escola desenvolver essa rotina ou estrutura (o que, neste contexto, não tem qualquer associação com o Estruturalismo) de aproximação da obra de arte, valorizando, contudo, também a tensão que se forma entre essa gramática da leitura da Arte e a impressão pessoal do leitor?
• Mas que rotina(s) que gramática de leitura é(são) essa(s)? Que espaço ela(s) deve(m) ocupar no currículo e/ou no planejamento?
Acredito que a resposta a tais questões ajudar-nos-á a nós, professores, encontrarmos o ponto de equilíbrio no delicado trabalho de formar leitores de obras de Arte. Claro que elas propõem uma maneira diferente de se olhar toda a área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias e nos remetem ao difícil trabalho de estudar fontes confiáveis.
Nesse sentido, gostei de ter lido Para ler Romances como um especialista, de Thomas C. Foster, publicado pela Lua de Papel. Fica aqui a dica...