Todo texto visa a convencer o seu leitor de alguma coisa. Ou seja, todo
texto procura fazer o leitor aderir a uma determinada opinião. Para isso, o
produtor aciona diversas estratégias, que denominamos procedimentos
argumentativos. Tomemos um exemplo. De que procura nos convencer o texto a seguir?
Retrato de uma princesa desconhecida
(1) Para que ela
tivesse um pescoço tão fino
(2) Para que
os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
(3) Para que
os seus olhos fossem tão frontais e limpos
(4) Para que
a sua espinha fosse tão direita
(5) E ela usasse a cabeça tão erguida
(6) Com uma
tão simples claridade sobre a testa
(7) Foram
necessárias sucessivas gerações de escravos
(8) De corpo
dobrado e grossas mãos pacientes
(9) Servindo
sucessivas gerações de príncipes
(10) Ainda um pouco toscos e grosseiros
(11) Ávidos cruéis e fraudulentos
(12) Foi um imenso desperdiçar de gente
(13) Para que ela fosse aquela perfeição
(14) Solitária exilada sem destino
ANDRESEN, S. M. B. Dual. Lisboa: Caminho, 2004. p. 73.
Observemos, mais de
perto o poema a partir já do primeiro verso: “Para que ela tivesse um
pescoço tão fino”. O pronome ‘ela’ fornece ao leitor, pelo menos, três informações
importantes a saber que vão se apresentar informações sobre um elemento
- feminino;
- singular;
- conhecido do leitor.
A terceira informação
não se verifica, em um primeiro momento, na prática leitora imediata, ou seja,
não sabemos de que ‘ela’ se está falando no poema. É um ser feminino, único,
mas desconhecido do leitor. De fato, o título do poema fica mais claro,
trata-se do “Retrato de uma princesa desconhecida”. Todo título merece ser lido
e usado como guia de leitura. Nele as informações aparentemente desconexas do
poema ganham um sentido mais coeso.
Assim mesmo,
despertados pelo incômodo ou estranhamento provocado por essa aparente
incoerência, ficamos mais atentos aos substantivos que aparecem a seguir no
poema: “pescoço” (verso 1); “pulsos”(verso 2); “olhos”(verso 3); “espinha”(verso
4); “cabeça” (verso 5) a que são atribuídas qualidades: “fino”(verso 1); “quebrar
de caule”(verso2); “frontais e limpos”(verso 3); “direita”(verso 4); “erguida”(verso
5).
Trata-se de uma mulher
e não de uma mulher qualquer, mas de uma princesa, como nos diz o título do
poema, descrita ou retratada como um ser perfeito, “Com uma tão simples
claridade sobre a testa” (verso 6). O olhar do texto, como já anunciado no
título, não se detém em quem ela é, como indivíduo – trata-se de uma
desconhecida –, mas antes no que foi necessário “para que” ela, a princesa desconhecida
se tornasse assim. Nesse sentido, a
repetição de “para que” torna-se muito importante na engenharia do poema. E
para que ela fosse como ela é, “Foram necessárias sucessivas gerações de
escravos” (verso 7).
Esses escravos não
serviram apenas a essa princesa desconhecida. O poema afirma que eles
trabalharam “de corpo dobrado e grossas mãos pacientes” para “sucessivas
gerações de príncipes” (verso 9). Assim, enquanto a princesa é toda beleza, os
escravos são colocados numa situação inferior, “dobrados” e deles apenas
ficamos sabendo das mãos “grossas” e “pacientes”. Mas os príncipes não nasceram
nessa condição superior, como a princesa desconhecida. Ao contrário, eles eram “um
pouco toscos e grosseiros / Ávidos cruéis e fraudulentos”. Sobre a evolução
moral dessa elite, não sabemos. Apenas sabemos da beleza externa da princesa
que poderia continuar sendo cruel e fraudulenta, mas agora não mais tosca ou
grosseira.
Essa transformação exigiu
“um imenso desperdiçar de gente”. Ainda que o texto fale de uma princesa
específica, cujo nome não nos é dado a conhecer, o poema se posiciona não
especificamente contra ela, mas contra todos aqueles que se consideram melhores
que o restante da humanidade, príncipes, e conseguem tratamentos privilegiados
a partir do trabalho compulsório (ou seja, obrigatório) de outros seres
humanos. Em outras palavras, o poema, embora descreva uma situação tenta nos
influenciar a aderirmos a uma determinada opinião:
O trabalho compulsório de escravos proporcionou privilégios aos príncipes.
Por argumentação entendemos qualquer tipo de procedimento utilizado pelo
produtor de um teto com vistas a levar o leitor a dar a sua concordância com
uma tese defendida pelo texto.
Por tese, entendemos uma afirmação que pode ser negada ou confirmada, ou seja, o leitor pode atribuir um valor de VERDADE ou FALSIDADE. Em outras palavras, o leitor pode considerar a afirmação como sendo verdadeira ou falsa. Por isso, ela precisará ser defendida (ou argumentada) no corpo do texto.
Exemplo de TESE:
o trabalho compulsório de escravos proporcionou privilégios aos príncipes.
Essa é a tese implícita ao poema "Retrato de uma princesa desconhecida". Ou seja, mesmo que ela não esteja ali, clara, com todas as letras, o leitor deve poder compreendê-la e reconhecer qual a posição defendida pelo texto que lê.
Numa tese, temos sempre:
Um sujeito abstrato (genérico): o trabalho compulsório de escravos (Quem ou o quê? Ou seja, de quem se fala...)
Um verbo: proporcionou (o que esse sujeito faz)
Um complemento do verbo: privilégios aos príncipes (o que proporcionou? A quem?)
A tese não precisa ser apresentada de modo explícito, palavra por palavra, em um texto. Ela, contudo, deve ser identificável para o leitor. Ou seja, mesmo que ela não esteja ali, clara, com todas as letras, o leitor deve poder compreendê-la e reconhecer qual a posição defendida pelo texto que lê.
No texto
dissertativo-argumentativo, a tese se desenvolve não a partir de conceitos específicos, como ao
falar de uma determinada princesa, mesmo que desconhecida, mas sempre a partir
de conceitos abstratos.
Por conceitos
abstratos, entendemos conceitos amplos, genéricos, que nos remetem não a uma
situação específica, mas a algo geral, aplicável a muitas circunstâncias diferentes.
Vejamos
um exemplo de um texto dissertativo-argumentativo:
Exclusão
digital é um conceito que diz respeito às extensas camadas sociais que ficaram à
margem do fenômeno da sociedade da informação e da extensão das redes digitais.
O problema da exclusão digital se apresenta como um dos maiores desafios dos
dias de hoje, com implicações diretas e indiretas sobre os mais variados
aspectos da sociedade contemporânea.
Nessa nova
sociedade, o conhecimento é essencial para aumentar a produtividade e a competição
global. É fundamental para a invenção, para a inovação e para a geração de
riqueza. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) proveem uma fundação
para a construção e aplicação do conhecimento nos setores públicos e privados. É
nesse contexto que se aplica o termo exclusão digital, referente à falta de
acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas tecnologias, por
motivos sociais, econômicos, políticos ou culturais.
(do ENADE - 2011)
Dados concretos aparecem em um texto dissertativo apenas para ilustrar leis ou teorias gerais. Além disso, embora na dissertação não exista uma progressão narrativo-temporal dos enunciados, ou seja, não se está contando uma historinha, mais do que em qualquer outro texto, é muito importante deixar claro ao leitor as relações lógicas que os enunciados mantém entre si.
O texto disserativo-argumentativo não permite que se altere à vontade a sequência do que se diz. Usualmente, após apresentar o tema tratado, dando a dimensão da importância do que se irá defender, apresentamos os argumentos. Primeiro, os mais fracos e, em ordem crescente, deixamos o mais forte para o final. Claro o que são argumentos mais fracos ou mais fortes dependerá muito de que leitor se tem em mente ao escrever. Por exemplo, o que pode ser decisivo no campo da ciência para um religioso católico pode não o ser para um médico ateu.
No término do texto dissertativo-argumentativo, é comum fazer uma síntese do que se falou, mais uma vez, considerando o leitor que se tem mente e destacando uma ideia conclusiva.