A intertextualidade é um tema muito importante quando o assunto é a construção do sentido em um texto. A intertextualidade pode se constituir de modo explícito ou implícito. Nesta seção, no capítulo 3, trataremos somente das relações de intertextualidade explícita, ou seja, quando há a citação da fonte do intertexto, como acontece nas citações e referências, por exemplo. Observe isso no trecho a seguir:
Relatos variados dão conta de que Fidel costumava trabalhar, durante os 47 anos em que esteve à frente de Cuba, de segunda a domingo, até as madrugadas. Assim, pouco tempo possuía para usufruir de eventuais vantagens concedidas pelo cargo. Apesar disso, a revista norte-americana "Forbes" vem incluindo o líder em uma lista de reis, rainhas e ditadores mais ricos do mundo, que prepara anualmente. Em abril de 2006, Fidel Castro aparecia como o oitavo da relação, com um patrimônio pessoal avaliado em US$ 900 milhões.
GARAVELLO, Murilo. “Orador carismático, governante centralizador”. Especial Cuba. Encontrado em < http://noticias.uol.com.br/ultnot/especial/2008/cuba/perfilfidel.jhtm> acessado em 21 de fevereiro de 2008.
O texto de Garavello estabelece uma evidente intertextualidade explícita com a revista Forbes. A seleção de uma determinada informação atribuída a uma fonte que não o próprio autor, ajuda, algumas vezes, a reforçar um ponto de vista, a diminuir posições contrárias em questões polêmicas, como é o caso aqui.
Uma das perguntas mais famosas que circula na internet é “Por que o frango atravessou a rua?”. As diferentes respostas apelam ao conhecimento enciclopédico do leitor e à sua habilidade de construir relações intertextuais no processo de leitura do texto. As diferentes marcas de intertextualidade explícita, no entanto, não facilitam a vida do leitor que não tenha bom conhecimento de mundo. Vejamos alguns exemplos:
PLATÃO: Porque buscava alcançar o bem.
Muitos sabem que Platão era um filósofo e como a frase tem um ‘ar’ filosófico pode parecer que está tudo certo. Mas, para aqueles que conhecem um pouco melhor o pensamento de Platão, há possibilidades de interpretação do texto mais profundas. O “Bem” para Platão é o ápice da existência, o ideal supremo que todos deveriam alcançar. Até as galinhas, de acordo com a visão bem humorada deste texto. Levanta-se, então, uma suspeita no leitor: as galinhas recebem, no texto, o tratamento dado aos seres humanos. Um outro exemplo confirmará ou não essa hipótese:
MOISÉS: Porque uma voz do céu bradou ao frango: “Vós atravessaréis a rua”, e o frango cruzou a rua, e houve grande regozijo.
Compreender essa resposta exige algum conhecimento da tradição judaico-cristã. Segundo a Bíblia (ou a Tora), Deus manda que Moisés cruze o Mar Vermelho para libertar os israelitas da escravidão no Egito. A escolha de termos como ‘bradar’ e do pronome de tratamento ‘Vós’ que caracterizam certo estilo religioso, reforçam essa idéia. O frango aqui não é um ser humano qualquer, mas representa o próprio Moisés, numa verdadeira ousadia galinácea do autor.
Tais ousadias são comuns nos dias de hoje, em especial em textos que circulam sem autoria na internet. Muitas vezes, elas são criativas e enriquecem o texto. Outras, tornam-se ofensivas e preconceituosas. Um exemplo de preconceito é reconhecível no trecho a seguir:
FEMINISTAS: Para humilhar a franga, num gesto exibicionista, tipicamente machista, tentando, além disso, convencê-la de que, enquanto franga, jamais terá habilidade suficiente para cruzar a rua.
Na fala do que é denominado como “feministas” podemos identificar alguns preconceitos comumente associados a este grupo social: a incapacidade de encontrar o equilíbrio entre os gêneros sexuais e de ver qualquer atitude do masculino como sendo ameaçadora ao feminino. Além disso, não deixa de ser interessante notar que não se assume uma autoria determinada (do tipo Fulano disse), o que torna difícil identificar um texto específico que estabeleça a relação intertextual com o que se escreve. No texto resposta, ecoam outros comentários que ouvimos e que traduzem um modo de ver o mundo modelado apenas pelo senso comum e associado a um tipo específico de pessoa.
Diferente é a situação da seguinte resposta:
MARTIN LUTHER KING: Eu tenho um sonho: que meus frangos vão um dia viver em uma nação onde eles poderão cruzar a rua sem questionamentos ou dúvidas. Eu tenho um sonho hoje!
Martin Luther King foi um pastor e ativista político que se tornou famoso pela sua luta nos EUA pelos direitos civis. Em 1963, profere o discurso “Eu tenho um sonho”, no qual encontramos o seguinte trecho:
Eu tenho um sonho: que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
É fácil encontrar as semelhanças entre as duas falas, a do fictício King preocupa-se com os seus frangos e no direito deles de atravessar a rua; já o verdadeiro Martin Luther King pensava em suas crianças não sofrendo de preconceitos raciais.
Há muitas formas de fazer humor, quando nos aproximamos de um texto, buscamos algo: informarmo-nos, estudarmos, divertir-nos etc. O texto “Por que o frango atravessou a rua?” busca o humor, a diversão do leitor, por deslocar textos de seu contexto ou por alimentar-se do senso comum. Nos qualquer um dos casos, espera-se que o leitor (re)conheça o outro texto. Isso exige um constante ampliar de horizontes, pensando a leitura como uma atividade em rede, que nos enreda nos diversos conhecimentos que vamos adquirindo no correr da vida.
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