24 de maio de 2010

A FRUSTRAÇÃO DO LER E ESCREVER EM SALA DE AULA

A instituição escolar adotou com muita facilitade e, penso eu, até sem a devida reflexão, as 'novidades' de "gênero textual". Essa mudança corre o risco de transformar a leitura e a escrita em realidades tão artificiais, travestidas de 'novo', como sempre o foram. Ou seja, mudar no que chamo de 'maquiagem da educação', mas sem, de fato, efetuar uma verdadeira mudança...


O reconhecimento de que existem diversos gêneros de textos ao pensarmos no ambiente escolar, conduz-nos a uma jogo tênue entre forças nem sempre em equilíbrio que envolvem, de um modo muito simplificado, o embate entre a classificação e o uso social.  Quando falamos que tal texto é polêmico ou que aquele texto é didático damo-nos, empiricamente, conta de que os textos não são iguais e que eles podem ser classificados segundo um critério lingüístico ou social. É claro que é praticamente impossível distinguir as fronteiras entre o que é lingüístico e social em um texto, em se tratando de classificação tipológica, pois a linguagem se realiza em sociedade. 


Quando falamos em conta telefônica, editorial, receita de bolo, fábula, parlenda estamos rotulando os textos a partir de um conceito de gênero que exige "um pacto de percepção comum" negociado entre instâncias que ocupam lugares sociais distintos. 


A mudança histórica desses lugares sociais pode levar ao desaparecimento de um determinado gênero textual e discursivo e ao surgimento de outros. O gênero conta telefônica supõe a existência de empresas de telefonia, públicas ou particulares, e de usuários de telefones que usam os serviços oferecidos por tais empresas. Se, por um motivo qualquer, o telefone desaparecesse dos hábitos da sociedade, sendo substituído, talvez, por outro aparelho, o gênero conta telefônica desapareceria. Poder-se-iam constituir outros gêneros, como a conta desse novo e hipotético aparelho que substitui o telefone em nosso exemplo. Mesmo que pensemos, da forma mais ampla, em "conta", podemos raciocinar que em certas sociedades, em outras épocas, esse texto era algo desconhecido.


Como temos insistido, levar o texto para a sala de aula ganha um novo e profundo sentido que se leva junto a dinâmica social da qual ele participa. Claro, como na maioria das coisas, também aqui é mais fácil falar do que fazer...



Muitos dos gêneros textuais tornam-se meros rótulos com os quais o professor elabora o seu modo de trabalhar. O aluno estuda resenha na aula de português mas não usa o que ali aprendeu em nenhuma outra disciplina, o que faz o seu aprendizado um conhecimento tão pouco prático como saber que Cáfila é o coletivo de camelos ou que a dissertação científica ideal deve ser totalmente neutra.

Muitos professores, das mais variadas disciplinas, de fato, preocupam-se em mandar ler e escrever. O problema, nesses casos, está no como, na formulação da atividade. E, muitas vezes, fazem os alunos pagar as consequências de escolhas mal formuladas. Vejamos um exemplo:

"Faça uma pesquisa e escreva um texto sobre a África" é um enunciado comum na escola. O professor sente-se realizado pois exige que o aluno leia e escreva. Como censurar essa atitude? Ocorre que uma comanda como essa pouco ou nada, efetivamente, comunica aos alunos. É maior a quantidade de elementos que a comanda 'não diz' do que aquilo que ela efetivamente informa: Pesquisar o quê sobre a África? Como? Onde? Escrever o quê? Um relatório? Um ensaio? Uma resenha? Uma síntese? Um mapa conceitual? Escrever para quê? Que destino terá esse texto escrito? Será lido apenas pelo professor? pelos colegas? pelos pais?

É claro que o primeiro passo para o êxito com o trabalho em sala de aula com um gênero de texto é a competência do professor em lidar socialmente com tal espécie de texto. Muitas vezes, o que se nota quando o professor trabalha em sala de aula com textos com os quais não possui familiaridade é um desconforto na atividade que chega aos alunos como sintoma de falta de aprendizado. Ou seja, por vezes, os alunos tomam a incompetência do professor em efetuar uma performance adequada como leitor de um determinado texto como sintoma de incompetência profissional, como se não estivessem aprendendo nada em sala de aula. Em certos casos isso resulta ser uma das causas de problemas na disciplina ou de falta de interesse.

A solução? Cuidar do 'autoletramento', ou seja, o professor deve ter as condições e possibilidades de ampliar o seu próprio universo de relação com textos reais e significativos no cotidiano social em que ele está inserido. Um planejamento construído em conjunto e devidamente orientado pela coordenação pode auxiliar a que uma vez aprendidos, em sala de aula, a resenha, o ensaio ou o artigo de opinião, eles possam ser pedidos nas mais variadas disciplinas, para atender à demanda do jornal escolar, do blog da turma, do site da escola etc.

Ainda em outras palavras: professores, coordenadores e diretores, devemos estudar mais...

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