31 de março de 2011

A LEITURA DA FOTOGRAFIA: ENTRE REALIDADE E FICÇÃO


A fotografia – e, de certo modo, toda obra de arte – também pode ser vista como uma estratégia ou um acontecimento planejado pelos fotógrafos. O ato artístico centra-se mais em orquestrar o evento, planejando a ideia criativa.Observe atentamente a imagem a seguir.

Procure responder às seguintes perguntas: o que há de planejado na fotografia? Que reações o homem-pão pode ter provocado nos transeuntes? Que interações a fotografia propõe ao observador?
Tatsumi Orimoto, O homem-pão na estação de trem de Bruxelas (1996)

Na foto O homem-pão na estação de trem de Bruxelas, o artista japonês Tatsumi Orimoto esconde o seu rosto sob uma escultura de pães. O resultado final nos lembra um pouco as personagens de histórias em quadrinhos.O homem-pão aparece em diferentes trabalhos de Orimoto, provocando as mais diferentes reações: muitos se aproximam curiosos, outros fingem não o ver. A fotografia, como produto final, depende da boa vontade das pessoas ao redor e da sua resistência de interromperem o que estavam fazendo. Isso significa, de certa forma, um resultado imprevisível, ainda que planejado.

Nesse sentido, a fotografia constrói e expõe realidades alternativas, entre a realidade a ficção. "Nem sempre as pessoas gostam dessa performance", disse Orimoto em entrevista. "No Japão ou nos Estados Unidos algumas pessoas ficaram ofendidas, mas na Alemanha gostaram muito, vieram me cumprimentar. Em cada país é diferente”. (Encontrado em . Acesso em 31 de março de 2011).

O homem-pão, de Orimoto, também aparece em retratos interagindo com a mãe do artista, Odai, uma senhora de 88 anos que sofre do mal de Alzheimer, fundindo a realidade mental alterada de sua mãe com a diferença física representada. É o que vemos a seguir:

Tatsumi Orimoto. Homem-pão filho e mamãe Alzheimer (1996)

A mãe de Tatsumi tornou-se uma figura central no trabalho do artista que o pai deste morreu, na metade dos anos 90. O artista procura não separar a arte da vida: "Grande parte da minha vida é cuidar da minha mãe com Alzheimer, e a arte é uma forma de me comunicar com ela", afirma(Encontrado em . Acesso em 31 de março de 2011).

Fundir a ficção com a realidade, o inusitado com o cotidiano também está na proposta artística de Erwin Wurn. Na série”Esculturas de um minuto”, Wurn encena e depois fotografa performances realizadas por pessoas comuns, quaisquer que estejam dispostos a participar desses atos e que não exigem habilidades físicas específicas, mas que, assim como Orimoto, nos conduzem ao estranhamento.

É o que vemos na sequência:

Erwin Wurn, Escultura externa (1999)

Agora permita-se pensar em você mesmo como artista. Como dissemos, neste gênero de fotografia, antes de tudo, o mais importante é planejar: de que estratégias você se valeria a fim de produzir a sua fotografia artística? Por quê?

22 de março de 2011

A LEITURA DA FOTOGRAFIA: MUITO OU NADA – O CONVITE A VER...

Cenas aparentemente banais podem se tornar extraordinárias quando fotografadas. Tais imagens preservam o que está sendo fotografado, não há quaisquer efeitos especiais distorcendo a realidade, mas a maneira como são representadas oferecem um desafio a quem as vê. Desse modo, elas se tornam um peculiar convite a ver. Por meio da fotografia, o cotidiano assume possibilidades que vão muito além da trivialidade. Ao observar as fotografias a seguir, pense em como sempre é parcial a nossa perspectiva sobre as coisas:
Jennifer Bolande. Globo: St Marks Place, NYC (2001)
Jennifer Bolande. Globo: Ste. Catherine St, Montreal, NYC (2001)
Do nível da rua, Bolande fotografou globos terrestres próximos às janelas de algumas casas. Esse gesto permite-nos questionar nossa percepção e entendimento do mundo. Podemos refletir sobre como recebemos o conhecimento sobre o mundo: é nossa perspectiva de ver o mundo sempre parcial, enquadrada por janelas pelas quais olhamos? Há outros modos de ver o mundo sem ser por meio de ‘janelas’?
Em um nível mais abstrato podemos pensar no fato de todo ser humano fazer uso de microcosmos para compreender o macrocosmos. Em outras palavras, a nossa compreensão de algo é sempre limitada.


O fato de não termos apenas uma foto, mas diversas ilustra bem o fato de que essa característica de ver o mundo por uma perspectiva, uma janela que nunca nos dá uma visão completa, é parte intrínseca de nossa cultura.


Ao examinar a fotografia a seguir, permita-se entrar no jogo que a imagem nos propõe, em que o pó e lixo se tornam um microuniverso, uma imagem do cosmos de detritos que, todos os dias, temos de enfrentar.

Peter Fraser. Sem título, 2002 (2002)

As fotografias que estamos analisando aqui tentam, de modo muito sutil, transformar a nossa percepção do cotidiano. Uma nave espacial atravessa o universo, ao mesmo tempo, um pedaço de papel jaz no chão, entre pó e detritos. Desse modo, o lixo sem estado fixo ou status cultural, se converte numa imagem que nos remete ao universo da ficção científica.

Observe, agora, esta interessante fotografia do francês Jean-Marc Bustamante a partir de seu título “Está faltando alguma coisa”:

Jean-Marc Bustamante, Está faltando alguma coisa (1997)

A cerca que aparece em primeiro plano entre o observador e a paisagem como um todo nos afasta do outro lado que fortalecendo a ideia do espaço fotografado de um espaço interdito ao leitor. O chão e as paredes gastos, sugerindo a passagem do tempo, reforçada pela ausência: onde estão aqueles que viveram essa passagem do tempo? A mesa com a cadeira ao fundo, bem como as plantas, sugerem a presença humana que no entanto falta, presa do outro lado da fotografia como plateia.