22 de junho de 2011

O QUE ENSINAR NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA?


É muito difícil definir discurso. Na verdade, no estudo da linguagem, nada mais difícil do que definir aquilo que parece óbvio. Termos como ‘palavra’ e ‘frase’ tampouco apresentam uma única definição. Isso, porém, não tira a importância do estudo do discurso tal como ele se manifesta na vida cotidiana.
Em termos gerais, discurso pode ser entendido sob duas ópticas:
(1) de um lado, todos nós, indivíduos que participamos na vida de uma mesma língua, como a língua portuguesa, participamos de discursos comuns, tais como o discurso jornalístico ou o discurso da esfera da atividade musical. Todo movimento de estudar a linguagem acima dos limites da frase é, essencialmente, desta perspectiva, um estudo do discurso.
(2) por outro, todos nós, indivíduos que participamos na vida de uma mesma língua, podemos dizer infinitas coisas. Em certo momento, de tudo o que pode ser dito, apenas certas coisas e de certos modos o são. O estudo dos motivos desse comportamento da linguagem é, deste ponto de vista, o estudo do discurso.
Este segundo entendimento o que, parece-me, ser o mais produtivo para o espaço da sala de aula, obriga-nos a olhar para além dos limites das regras estruturais do funcionamento de uma linguagem, na direção de todo um conjunto de outros aspectos importantes, como a inferência do contexto e do conhecimento anterior que os indivíduos apresentam, tanto em termos linguísticos como culturais.
A Análise Crítica do Discurso que, acredito, seja um dos caminhos mais apropriados para o desenvolvimento de um Currículo e de uma consequente Metodologia do Estudo da Língua Portuguesa, concebe o indivíduo em um constante processo interativo com os diversos processos discursivos, nos quais tanto se constrói como identidade como participa em construir outras identidades e processos discursivos.
Nesse pano de fundo, podemos, defender que aquilo que o estudioso da linguagem Canale (1983:9) chama de competência discursiva, e define como “o conhecimento de como combinar formas gramaticais e significados para produzir um texto unificado, falado ou escrito, em diferentes gêneros”, seja um dos principais objetivos da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias no espaço escolar, em particular, da disciplina de Língua Portuguesa.
Isso, naturalmente, inclui que se estudem as estruturas que fundamentam e organizam a Língua Portuguesa (em todos os níveis), mas sempre em interação com a construção dos significados em textos reais, em diferentes gêneros, construindo valores e identidades, em realizações sociais específicas que o estudante vivencia.
CANALE, M (1983). “From communicative competence to communicative performance”. In J. Richards e R. Schimidt (org). Language and Communication. Nova Iorque: Longman.

13 de junho de 2011

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS - REPENSANDO CONCEITOS

Desde os anos 1990, os documentos oficiais da educação brasileira têm considerado a importância do trabalho escolar centrar-se, não na transmissão de conhecimentos, mas no desenvolvimento de ‘competências’ e ‘habilidades’. Os dois termos, como é sabido, têm sido alvo de muitas críticas, tanto pelos valores implícitos que trazem ao discurso educativo, como pela clara referência aos estudos de taxionomia da equipe de Benjamin Bloom, desenvolvidos na década de 1950. Estou me referindo, particularmente, à obra Taxionomia de objetivos educacionais: domínio cognitivo, obra que circulou amplamente no Brasil até o inicio da década de 1980, formando muitos professores.


Esse grupo de estudiosos divide o desenvolvimento do estudante, conforme esse vai adquirindo conhecimentos, em habilidades e capacidades que podem ser tanto intelectuais como afetivas. Por habilidades intelectuais entendem “os processos mentais de organização e reorganização de materiais com vistas ao alcance de propósito específico”, ou seja, os “modos de operação e técnicas generalizadas para tratar com problemas” (Ed. de 1977, p. 34). Já as capacidades intelectuais fazem referência “a situações em que o indivíduo instaura informações técnicas e específicas para esclarecer um novo problema”, representando “combinações de conhecimento e habilidades” (idem).

Acredito que tomar como referência tais estudos, promovendo a leitura atualizada no contexto brasileiro do século XXI, pode constituir-se numa atividade muito producente, quando se deseja estabelecer uma interface que promova uma discussão mais ampla da atividade com as linguagens e os códigos em sala de aula, no desenvolvimento de habilidades que levem em conta a formação do indivíduo em uma perspectiva do trabalho com gêneros discursivos. Isso claro, quando tal estudo não se limite à simples transposição ou atualização das pesquisas do estudioso, realizadas com objetivos bem diferentes em outro contexto sócio-histórico. Esse diálogo deve levar em conta as contribuições mais recentes sobre o tema, como os estudos de Perrenoud ou o conceito de indivíduo psicossocial presente na literatura de Mikhail Bakhtin.

Por isso mesmo, em uma perspectiva psicossocial, no âmbito das metodologias de ensino, não nos parece proveitoso dividir as dimensões mentais e afetivas, como não dividimos as dimensões psíquicas das sociais. Acreditamos que, desse modo, valorizamos melhos o desenvolvimento holístico do indivíduo, tomado como ser que se constrói e reconstrói constantemente sua identidade na sua pluralidade constitutiva.

Tomamos aqui habilidade como a capacidade do indivíduo de fazer algo com o conhecimento adquirido que lhe permita o desenvolvimento como identidade psicossocial. Visto no contexto escolar, compreendemos que essa identidade se constrói dentro de uma perspectiva de cidadania e autonomia do indivíduo, em constante interação com a sociedade, na sua pluralidade, e com a capacidade de pensar, sentir e refletir. São, desse modo, exemplos de habilidades tanto a capacidade de analisar o uso expressivo do adjetivo em textos publicitários, como a de relacionar valores éticos à prática esportiva escolar. Nessa perspectiva, não conseguimos ver motivos para validar a divisão proposta pelo grupo de Bloom entre habilidades e capacidades.

Reconheço, contudo, que no cotidiano escolar trabalhamos com macro-habilidades, como a leitura, que se sustentam do desenvolvimento de uma larga série de outras habilidades. Acredito que, de um modo geral, tais macro-habilidades têm sido assimiladas pelo discurso pedagógico atual corrente nas instituições escolares como competências. Considero, dessa perspectiva, como competências, por exemplo, a leitura, a escrita, a argumentação e a transposição de conhecimentos.

Desse modo, chego a duas definições que são o nosso ponto de partida ao pensarmos em desenvolvermos metodologias de ensino-aprendizagem com Linguagem, Códigos e suas Tecnologias. A saber:

Habilidades - a capacidade do indivíduo de fazer algo com o conhecimento adquirido que lhe permita o desenvolvimento como identidade psicossocial, ou seja, um cidadão que interage com a sociedade plural em que vivemos, ao mesmo tempo, tendo demonstrando autonomia e reflexão diante de seus pensamentos e de seus sentimentos.

Competências – macro-habilidades que inter-relacionam diferentes habilidades sobre as quais se sustentam.