14 de abril de 2009

O MOVIMENTO DA POESIA


O avanço da mentalidade capitalista, a partir do século XIX, e o conseqüente crescimento das cidades obrigaram a uma revisão do conceito de "Literatura", opondo o sistema econômico, motivado pelo lucro comercial, o quantitativo tomado como qualitativo, à instituição literária, considerada a partir do prestígio que os diferentes gêneros textuais provocam em seu interior. De alguma maneira, reinventou-se o conceito de Literatura pensada a partir de listas como ‘os mais vendidos’.

Isso afetou em especial à poesia no espaço. O novo público leitor que emerge no século XIX, burguês, em sua maioria localizado nas cidades, espaços em contínua expansão, não consome poemas, carregados de um lirismo que não se traduz em uma ação imediata e empolgante, antes prefere a ação presente no teatro e nos romances. Apesar disso, herdeira de um passado valioso cujo início é anterior ao da própria escrita, a poesia é ainda considerada a arte por excelência, embora sem mercado. Ela é qualidade sem quantidade. O que cria um paradoxo curioso: é símbolo de prestígio social, mas apenas uma pequena elite, nem sempre econômica, se dispõe a consumi-la. A poesia não se sujeita às leis econômicas do mercado. É a própria representação da imagem estereotipada do poeta: o erudito marginalizado pela sociedade – admirado por muitos, mas querido por poucos.

Walter Benjamin, em Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo (1989), aborda o tema da “flânerie” contrapondo-o à ascensão do capitalismo e ao crescimento das urbes. Essa contraposição é, ao mesmo tempo, uma complementação. Nas cidades, “as relações recíprocas dos seres humanos (...) se distinguem por uma notória preponderância da atividade visual sobre a auditiva” (Op. Cit. 36). Para melhor viver o (e no) mundo ao seu redor, o poeta precisa vê-lo e, para isso, constrói uma nova identidade, torna-se “flâneur”. Caminhar não para chegar a um destino, mas para compreender essa emergente cidade que se transforma constantemente sob uma nova realidade econômica.

A cidade enreda o homem, distrai-o, banaliza o espaço na multiplicação das possibilidades. “A cidade é a realização do antigo sonho humano do labirinto. O flâneur, sem o saber, persegue essa realidade” (Id., 203). O desconhecimento de que errar pelas ruas é decifrá-las, torna o seu aprendizado uma surpresa. Mas, é esse surpreender-se, essa descoberta inesperada do real e de sim mesmo que, o flâneur, sem o saber, deseja.

O poeta, não podendo aspirar ao poder; na impossibilidade de transformar o outro em mercadoria, aspira ao prazer. O passar do tempo no flanar pela cidade não visa ao ter, mas torna-se a procura do prazer, que seria menos limitado se pudesse ser extraído da própria sociedade. Um quase-círculo que obriga o poeta a procurar alguma forma de identificação com a mercadoria que, em um primeiro momento, rejeita.

“Tinha de saborear essa identificação com o gozo e o receio que lhe advinham do pressentimento de seu próprio destino como classe. Por fim tinha de prover essa identificação com uma sensibilidade que ainda percebesse encantos nas coisas danificadas e corrompidas.” (Id.: 55)

Essa realidade que alimentou a nossa sociedade atual preserva a errância na poesia.
O espaço da caminhada, misto de ócio com ação filosófica, é o próprio espaço para o desenho da vida. Um olhar excessivamente consumista sobre o mundo infiltra-se como o ar, fazendo-nos respirar – e perpetuar – normalidades inventadas, ao mesmo tempo que promove o espirito do não-mover-se. A cristalização impede o erro. Mas na segurança de quem só acerta porque não se move, empobrecemos a linguagem, retiramos a poesia de nossa existência e apequenamos a nossa identidade.

3 comentários:

  1. José Luis,

    Realmente a poesia distanciou-se muito das pessoas. Podemos até pensar que há pouca poesia na vida, nos relacionamentos. Estes parecem episódios aventurescos, onde não há lirismo e nem tempo de percebê-lo...

    Carol

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  2. Sim, essa mudança de mentalidade leva a alguns paradoxos curiosos: muitos gostam de 'escrever' poesia, mas não de lê-la. E mesmo esses confundem, muitas vezes, poesia com 'desabafo' de emoções.

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  3. Luís,

    Foi muito bom encontrar em seu post uma referência a um livro especial para mim, melhor ainda refletir sobre o papel da poesia em nossas vidas. Desde Benjamin, creio que ela foi se dissolvendo entre a emoção exacerbada dos diários e a falta de reflexão das urgências do dia-a-dia.
    Mas não sou pessimista, ainda existe espaço para a poesia, ela ainda pulsa em nós, só precisamos encontrá-la.

    Um forte abraço,

    Elizabete

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