Pensemos, inicialmente, em uma escola ideal. Daquelas que, saída da realidade da prática, se resolve perfeitamente seus problemas de relação dos alunos com a linguagem por meio das teorias. De que teorias dispomos para resolver tais problemas? Entre outros, muito se tem falado atualmente de Letramento, termo que, desde o título deste texto, nos interessa. Por vezes mal compreendido, o termo presta-se, desde há muito, a um sem fim de 'mágicas' com a linguagem que amalgam em si as mais variadas perspectivas teóricas e que resolveriam todos os problemas de leitura e escrita na escola. Claro, da escola ideal.
A escola ideal não existe. Nela, é verdade, tudo seria mais fácil: os problemas se resolveriam com as soluções rapidamente fabricadas, muitas vezes, por traduzir um teórico e 'adaptá-lo' à cor local, prática com a qual temos construído grande parte de nossa cultura. Que o digam os românticos, coitados, que ficaram com a fama! Contudo, desta perspectiva, somos levados a visitar o outro e concordar com Street (http://www.unisesi.org.br/portal/principal/biblioteca/downloadBibliotecaPortal.php?idBiblioteca=12) quando diz que "a teoria é para os profissionais que trabalhem na área, e não simplesmente para os teóricos. É precisamente a falta dessa atenção explícita à teoria, eu argumento, que vem levando a tantos fracassos no desenvolvimento de programas de letramento". Acontece que o outro é sempre a possibilidade de interlocução e no diálogo construímos as nossas relações com a linguagem. Mais ainda, construímos a nossa identidade. Mas, com que teorias dialogar? Como 'transplantá-las' para a nossa realidade?
No que respeita ao letramento, alguns fatores parecem ser, neste momento, conquistas teóricas das quais devemos partir para a construção da prática:
- O letramento é plural. Não existe 'letramento', mas letramentoS. Numa determinada comunidade social, existem várias relações com a linguagem, tanto no ato de leitura como de escrita, em que a oralidade é mais ou menos evidente. Essas relações consubstanciam diversos letramentos que exigem estratégias diferenciadas.
- O letramento é uma prática social, não uma habilidade técnica ou neutra. Tampouco é uma estratégia de ensino.
- Ninguém entra numa comunidade e 'dá' ou 'constrói' o letramento, mas, antes, 'expande' as práticas de letramento dessa comunidade. Todo ato de se trabalhar com letramento desde uma esfera de 'ensino/aprendizagem' traduz-se em uma série de ações que devem partir da experiência local com a linguagem escrita.
Os três itens acima traduzem, é verdade, o ponto de vista acima citado de Street, mas não apontam uma estratégia, nem sequer propõem um rumo. Apenas dão-nos um início, muito condizente com a nossa realidade escolar. Um ponto de partida para pensarmos o que fazer, com os pés no chão, no nosso chão, na nossa realidade, mas sem temor de dialogar com o outro, não para carnavalizar o que ele diz e deixá-lo como se fosse nosso, o que se vê por aí muito mais do que seria apropriado, mas para construir conversando. Claro, esse conversar deve romper a torre de cristal da academia e trazer os estudiosos para o chão em que todos nós vivemos.