20 de junho de 2009

LETRAMENTOS E SALA DE AULA

Pensemos, inicialmente, em uma escola ideal. Daquelas que, saída da realidade da prática, se resolve perfeitamente seus problemas de relação dos alunos com a linguagem por meio das teorias. De que teorias dispomos para resolver tais problemas? Entre outros, muito se tem falado atualmente de Letramento, termo que, desde o título deste texto, nos interessa. Por vezes mal compreendido, o termo presta-se, desde há muito, a um sem fim de 'mágicas' com a linguagem que amalgam em si as mais variadas perspectivas teóricas e que resolveriam todos os problemas de leitura e escrita na escola. Claro, da escola ideal.

A escola ideal não existe. Nela, é verdade, tudo seria mais fácil: os problemas se resolveriam com as soluções rapidamente fabricadas, muitas vezes, por traduzir um teórico e 'adaptá-lo' à cor local, prática com a qual temos construído grande parte de nossa cultura. Que o digam os românticos, coitados, que ficaram com a fama! Contudo, desta perspectiva, somos levados a visitar o outro e concordar com Street (http://www.unisesi.org.br/portal/principal/biblioteca/downloadBibliotecaPortal.php?idBiblioteca=12) quando diz que "a teoria é para os profissionais que trabalhem na área, e não simplesmente para os teóricos. É precisamente a falta dessa atenção explícita à teoria, eu argumento, que vem levando a tantos fracassos no desenvolvimento de programas de letramento". Acontece que o outro é sempre a possibilidade de interlocução e no diálogo construímos as nossas relações com a linguagem. Mais ainda, construímos a nossa identidade. Mas, com que teorias dialogar? Como 'transplantá-las' para a nossa realidade?
No que respeita ao letramento, alguns fatores parecem ser, neste momento, conquistas teóricas das quais devemos partir para a construção da prática:
  • O letramento é plural. Não existe 'letramento', mas letramentoS. Numa determinada comunidade social, existem várias relações com a linguagem, tanto no ato de leitura como de escrita, em que a oralidade é mais ou menos evidente. Essas relações consubstanciam diversos letramentos que exigem estratégias diferenciadas.
  • O letramento é uma prática social, não uma habilidade técnica ou neutra. Tampouco é uma estratégia de ensino.
  • Ninguém entra numa comunidade e 'dá' ou 'constrói' o letramento, mas, antes, 'expande' as práticas de letramento dessa comunidade. Todo ato de se trabalhar com letramento desde uma esfera de 'ensino/aprendizagem' traduz-se em uma série de ações que devem partir da experiência local com a linguagem escrita.
Os três itens acima traduzem, é verdade, o ponto de vista acima citado de Street, mas não apontam uma estratégia, nem sequer propõem um rumo. Apenas dão-nos um início, muito condizente com a nossa realidade escolar. Um ponto de partida para pensarmos o que fazer, com os pés no chão, no nosso chão, na nossa realidade, mas sem temor de dialogar com o outro, não para carnavalizar o que ele diz e deixá-lo como se fosse nosso, o que se vê por aí muito mais do que seria apropriado, mas para construir conversando. Claro, esse conversar deve romper a torre de cristal da academia e trazer os estudiosos para o chão em que todos nós vivemos.

16 de junho de 2009

INTERNET, TRIBOS URBANAS E DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL


Um fenômeno relativamente recente do qual vale a pena falar é a relação entre o desenvolvimento das tribos urbanas e a internet.

Observando, por exemplo, uma rede virtual de relacionamento, como o Orkut, é possível notar como se desenvolvem processos de distinção e controle social. Ao "teclar" com seus pares, nem sempre o nome é revelado, sendo antes substituído por um apelido (um ‘nickname’ ou apenas ‘nick’). Nesses encontros virtuais, pode-se escolher a classe social, a idade, a aparência física e, até mesmo, o sexo que se deseja. Na tela do receptor da mensagem, o que se vê é uma identidade (ou múltiplas identidades) construída a partir de representações. É possível ser, ou fingir ser, sem aparecer e embora não se consiga fugir completamente de eventuais sanções sociais, a liberdade parece ilimitada.

Antony Giddens atribui à globalização e à disseminação da mídia eletrônica, entre outros elementos, a possibilidade do indivíduo realizar um grande número de "escolhas". Entre elas, destaca-se a escolha por um "estilo de vida". Nas comunidades da internet, certas práticas, como a anorexia e a bulimia passa de prática solitária a prática solidária divulgada e compartilhada.

Naturalmente, não podemos fugir dos meios de comunicação. Nem proibi-los. Mas podemos, educadores e educandos, construir regras de utilização. É sempre bom discutir os riscos do mau uso dos meios de comunicação com as crianças e jovens e, juntos, procurar estabelecer regras coerentes e justas de utilização.

Nunca é demais valorizar o ser humano, em especial, nas relações pessoais. Isso significa cultivar uma constante atitude de presentificação do outro. Entendemos 'presentificação' como o processo complexo que envolve tanto tornar o outro uma realidade presente em nossa vida, legitimando o direito à sua alteridade, como fazermo-nos presentes na vida dos outros.

Repassar e-mails a torto e a direito, por exemplo, por vezes, pode traduzir uma falta de consideração pelos outros, como se todos fossem a mesma coisa. Como se o outro não fosse 'um' outro, mas apenas 'mais um'. Em especial, as crianças e os adolescentes são muito sensíveis à valorização de suas opiniões e pensamentos. Isso, claro, não significa acatar tudo o que dizem, mas promover a atitude correta de ser ouvido.

Veja, por exemplo, a apresentação de uma comunidade de Orkut “Anoréxicas Anônimas”, dedicada a promover a aproximação entre as anoréxicas:

RESUMINDO, PENSE 300x antes de revelar ao mundo (falar pra mãe = falar pro mundo, ja viu mãe guardar segredo qdo a filha pede? vcs viram as costas e elas catam o telefone pra chorar as pitangas com a tia/amiga/massagista, se bobear vão contar até pro cabelereiro e pra manicure) que vc é ana / mia. (...) o mundo é hipócrita, injusto e cheio de gente invejosa, que não consegue emagrecer e que vc fique muito gorda, pq ai começam outra rodada pra falar mal de vc."
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=36259868

É sabido que muitos procuram na internet a estabilidade que não encontram no grupo social em que estão inseridos. Sentindo-se seguros, as crianças e jovens não se sentirão tão motivados a procurarem na virtualidade aquilo que podem encontrar no contato humano face-a-face.

Naturalmente, uma reação paternalista ou simplista não irá resolver nada, mas a atitude mental correta associada a ações adequadas a cada caso, promoverá um ambiente preventivo correto e poderá resolver muitos problemas.