13 de fevereiro de 2012

Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa no Brasil


Dentro da história da disciplina escolar da Língua Portuguesa, a linguagem já foi conceituada de três maneiras diferentes. Esses modos de considerar a linguagem deixaram forte herança no modo como hoje se constitui toda a área de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias (LCT).

Até a década de 70, o conceito de linguagem definia-se como expressão ou tradução do pensamento. Ou seja, como a capacidade do indivíduo de organizar o seu pensamento. Desse modo, usar a língua portuguesa era o mesmo que pensar e pensar certo seria utilizar a linguagem de modo correto, seguir regras universais (divisão, classificação e organização).

Nesta concepção de linguagem, os estudos gramaticais – a par dos estudos retóricos – são aqueles que desenvolverão a técnica para falar e escrever bem e certo. Estabelecendo um íntimo diálogo com a visão positivista de mundo, as regras, no estudo escolar, são vistas como o modo de organizar o mundo, e a partir da obtenção da ordem pode-se caminhar ao progresso.

Vale destacar também que o currículo é estruturado pelo Ministério da Educação e Cultura de modo preciso e claro, com as listas de conteúdos, autores e obras que deverão ser de conhecimentos dos estudantes de acordo com a série em que estão matriculados. Isso organiza tanto a formação de professores como a dos alunos.

A década de 70 assiste à chegada aos documentos escolares e a alguns manuais e livros didáticos, das ideias da linguística, misturando conceitos estruturalistas e pós-estruturalistas. A linguagem é vista como instrumento de comunicação, um código (conjunto sistematizado de regras) que possibilita transmitir uma mensagem (comunicar = tornar comum entre dois). A dicotomia saussureana LANGUE/PAROLE ganha força nos estudos linguísticos na formação dos professores, mas na Escola, como na Universidade, estuda-se, sobretudo, a Langue, ou seja, sistema estruturado de signos, não a Parole, a manifestação individual da Langue 

Influenciada pelas ideias de Jakobson, a escola irá valorizar as funções da linguagem, preocupando-se em categorizar – estruturar - o para quê o indivíduo utiliza a linguagem de acordo com quem a utiliza, onde, quando, com quem a fim de comunicar algo. 

A gramática escolar continuará muito influenciada pela visão anterior, retirando de cena, contudo, os estudos retóricos e incidindo, principalmente, em exercícios estruturais de morfossintaxe frasal na busca da internalização inconsciente da norma culta (tomada como variedade de prestígio e aquela que irá promover o cidadão). as regras possibilitam internalizar um modo de fazer (aplicação das regras) que será desenvolvido em circunstâncias sociais fora do ambiente escolar. Ou seja, o como e quando o falante faz uso das regras que aprende na escola não é preocupação da disciplina de Língua Portuguesa. 

A diretriz educacional oficial neste momento (década de 70) é de dar maior autonomia ao professor, deixando-o livre para escolher e organizar o seu currículo. Na prática, contudo, foram os vestibulares que se encarregaram de organizar o currículo. Além disso, a formação do professor começa a priorizar a quantidade formada e não a qualidade docente, os salários da categoria docente começam a se achatar e as formulas prontas soam preferíveis a quaisquer escolhas conscientes dos professores. 

Nessa época também surge a área de Área de Comunicação e Expressão, englobando Língua Portuguesa, Educação Física, Arte e Língua Estrangeira Moderna sem, contudo, conseguir uma aproximação, de fato, entre esses componentes curriculares. Particularmente, a Educação Física ainda está muito mais atrelada a um conceito de ‘boa saúde’ (mens sana in corpore sano) do que a um modo de comunicar e expressar. 

A década de 80, no que diz respeito à documentação oficial, continua valorizando a autonomia do professor e começa a dar um espaço maior ao texto. A formação docente continua priorizando a quantidade e com os baixos salários pagos à categoria, há uma fuga de talentos da área. A profissão passa a ser vista, por alguns, como um ‘bico’ que complemente a renda. Divulga-se a máxima que “quem sabe faz; quem não sabe, ensina”. 

Entrando no século XXI, temos o surgimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Esse documento definirá linguagem como espaço psicossocial em que os indivíduos atuam, constituem outros e se constituem. Ou seja, trabalho coletivo (discurso) orientado para uma finalidade em situação de uso. O conceito é complexo e não imediatamente absorvido pelos professores, o que trouxe uma série de incompreensões e a oposição ‘tradicional’/ ‘construtivista’, usualmente, mal interpretada e aplicada.

 Neste conceito de linguagem, contudo, todo discurso manifesta-se por meio de textos e todo texto se organiza dentro de determinado gênero discursivo. Os gêneros discursivos são elementos organizadores do processo discursivo, ou seja, enunciados relativamente estáveis caracterizados por


(a)  conteúdo temático (o que pode ser dito)
(b)  construção composicional (estrutura do que é dito)
(c)  estilo (recursos expressivos e marcas autorais)

Mais teoricamente do que na prática, o estudo gramatical da vez à Análise Linguística – processo reflexivo dos movimentos dos recursos lexicais e gramaticais e da construção composicional de textos considerando seu gênero discursivo, suporte, meio/época de circulação e de interlocução (contexto). Relaciona-se às atividades (ações) de leitura e escrita (reescrita). O que se deseja é que o conhecimento e a reflexão das regras visem a atividades (reais e contextualizadas) de recepção e produção.

A área de Comunicação e Expressão é substituída pela área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, englobando as disciplinas de Língua Portuguesa, Educação Física, Artes e Língua Estrangeira Moderna. A Língua Espanhola ganha grande espaço no cenário educativo e iniciam-se movimentos para, efetivamente, aproximar as disciplinas entre si, constituindo uma área. Tarefa, contudo, na qual ainda há muito a fazer.

Mereceria aqui consideração especial o espaço dos estudos literários nesse cenário. A visão dominante na escola era, até o surgimento dos PCN, de valorizar a literatura no Ensino Médio (chamado de 2.o grau), pelo prisma histórico, centrado em relacionar características de obra às características de estilo de época. O ensino Fundamental (chamado de 1.o grau) priorizava o ‘prazer da leitura’, conforme visto em obras ditas paraliterárias de forte cunho moralista.

O advento dos PCN valorizará o processo de formação do leitor literário. O conceito é também amplo e foi interpretado das mais variadas formas, muitas delas, incoerentes: o importante é que o estudante leia, não interessa o quê; tudo é literatura; literatura não é importante; tudo que é estudado na corrente histórica da literatura deve produzir prazer ao estudante etc.

Hoje, notamos que considerar o estudo literário dentro da área de Linguagens é fazer um recorte ao fenômeno literário, aproximando-o do próprio estudo da linguagem, que deve ser visto contextualizado e no processo lento e complexo de formação de um leitor de literatura, a par das outras formações de leitor.