A escola confessional como espaço de construção da identidade cristã, na dimensão humana da existência moral, social e individual, ultrapassa, em muito, os limites do que é diretamente particular da Igreja, para alcançar a universalidade da mensagem e do viver cristãos. Torna-se, desse modo, um espaço de conciliação e diálogo entre os saberes, que não se confundem entre si, nas suas especificidades epistemológicas, mas (com)partilham a possibilidade de construir a partilha e a união.
Isso
lança-nos, a nós, educadores, em um movimento que, apenas aparentemente, parece
contraditório entre aceitar o pluralismo dos saberes e respeitar os diferentes
limites do conhecimento. Em outras palavras, isso significa dizer que um
componente curricular não pode ser tomado pelo outro, por exemplo, o Ensino
Religioso e Língua Portuguesa não podem ser intercambiados entre si,
substituídos um pelo outro no currículo escolar, contudo, isso também significa
que os diferentes componentes curriculares devem construir o maior número
possível de espaços de aproximação, de modo que conhecimentos específicos de
Língua Portuguesa possam ser aproveitados em situações de apredizagem em Ensino
Religioso e vice-versa.
Qualquer
atividade interdisciplinar promovida na escola deve respeitar tais limites. Isso
exige compreender o aluno como um indivíduo que, sendo sempre um, não pode
cindir-se -nem sob a (des)orientação do professor - a ponto de ser incoerente
consigo mesmo. Para isso, uma das primeiras tarefas da escola é promover a
capacidade de confrontar ideias diferentes e até contraditórias em um clima
permanente de diálogo e coerência.
Um
dos papéis centrais da educação confessional é promover a integridade do ser
humano, possibilitando que este construa relações vitais consigo mesmo e com a
sociedade. Por sociedade, queremos aqui, junto com o filósofo cristão Jacques
Maritain, compreender uma base tríplice formada pelo ambiente social,pel o
trabalho e pelo bem comum. Essa atitude social possibilita substituir o espírito
individualista por uma atitude dialógica que valoriza o ser humano como ser
psicossocial. Essa valoriação faz emergir os sentidos de liberdade e
responsabilidade.
Até
aqui, não há nada de específico ao campo dos estudos metodológicos da área de
Linguagens. O que dissemos pode ser aplicado a qualquer componente curricular.
Sejamos, então, mais específicos.
O
atual paradigma dos estudos linguísticos considera linguagem como o trabalho
feito com o código, visando à interação social. Dessa perspectiva, a linguagem,
tomada como trabalho, é um dos elementos constitutivos da sociedade. A linguagem
trabalha ao produzir as diferentes situações comunicativas que vivenciamos no
dia a dia, de caráter prático e imediatista, mas também em uma dimensão
espiritual e transcendente, seja espírito aqui tomado como sinônimo da dimensão
cultural ou religiosa do ser. Em qualquer dos casos, a linguagem produz
transcendência.
Em
uma dinâmica cristã, os amores divino e o fraterno se complementam - não se
opõem - construindo o avançar de quem somos, como seres essencialmente humanos:
Eu e o Outro. E esse esforço de construir pode e deve estar presente em todos os
componentes curriculares, ao promover o estudo de todos os objetos cabíveis ao
currículo escolar, como as Artes, a Língua Portuguesa, a Língua Estrangeira, a
Educação Física, sem que isso signifique aulas de Teologia ou
Catequese.
Falemos,
especificamente, das Artes.A esfera das Artes, tomada como atividade da linguagem, é um fazer que surge de um macrossistema plural de códigos e que possibilita, em suas diferentes manifestações, como a literatura, a pintura, a música, a dança, o teatro etc o estudo sistematizado escolar. De outro modo, as Artes não poderiam, ao mesmo tempo, ser Linguagem e Códigos e estar na escola.
Os componentes curriculares que estudam as Artes não confundem as suas fronteiras com os trabalhos de outros componentes curriculares, como Ensino Religioso, mas, em muitos momentos, haverá importantes aproximações que não precisam ser negadas, das quais os professores não precisam se desviar. Ao contrário, tais aproximações são bem vindas.
Neste contexto podemos introduzir a tema de Arte Cristã na Escola. A arte cristã é aquela que possibilita a leitura da esperança e de inquietação próprios do espírito evangélico. É uma arte que traz para si tanto o profano como o sagrado. Não é uma arte feita para o espaço da Igreja, mas para a alma humana. Portanto, não é necessariamente encontrada no ambiente religioso. Por vezes, até, não é feita para tais ambientes e não provoca diretamente a devoção do fiel, mas é, antes de tudo, uma arte que provoca... É uma forma de arte que não reside apenas nas habilidades do artista mas, tanto ou mais, nas habilidades do público leitor. O poema cristão não precisa falar do Cristo, mas precisa provocar o cristão.
Empresa difícil esta: porque é difícil ler, porque é difícil ser artista e, acima de tudo, porque é muito mais difícil , de fato, ser cristão. Contudo é no deságue dessas três torrentes que se encontra o que aqui definimos como arte cristã. É, então, compreensível a tentação de simplificar o processo e confundir arte cristã com arte sacra.
Podemos considerar a arte sacra como a a arte pedagógica, que visa a ensinar ou a motivar uma determinada atitude de devoção. É a arte que se encontra no ambiente especificamente religioso: a imagem ou a música que promovem o adequado espírito de devoção, por exemplo. Sem dúvidas, a arte sacra ideal seria também cristã (ou religiosa, se alargarmos o conceito para fazermos coincidir o espírito essencial do ser cristão com uma atitude de algum modo resgatável na religiões em geral), porém nem toda arte sacra consegue ser, efetivamente, arte cristã, tal como o estamos definindo aqui e, de fato, tampouco o precisa ser.
Isso porque quando a obra de arte nasce principalmente com a preocupação de edificar devocionalmente o outro já nasce fadada a não ser uma obra de arte cristã, mas apenas sacra. A preocupação de persuadir o outro é uma função que dificulta a construção da obra de arte e, com isso, da arte genuinamente cristã. Vale lembrar, a atitude a manter é a do diálogo entre os diferentes saberes (neste caso, o do artista e o do cristão), mas no constante esforço de não confundir essas fronteiras. “A obra cristã quer o artista livre, enquanto artista” nos diz Jacques Maritain. Podemos dizer o mesmo do leitor, como artesão do processo de leitura da obra de arte: ele precisa ser livre para ser leitor cristão da obra e encontrar nela traços de duas inspirações que a devem constituir como trabalho cristão: a inspiração divina e a humana.
Mas, o que torna o artista ou o leitor colaboradores na produção da arte cristã?
A possibilidade de refletirem no seu interior a clareza da graça encontrando, na obra, tal caminho. A beleza da obra deixa entrever a presença do Cristo no coração do artista e do leitor. O contato com a obra – seja na produção, seja na sua leitura – torna-se um momento de contemplação ativa: trabalho com a linguagem promovendo o ser cristão, construindo de algum modo, a fé, a esperança e a caridade, edificando a liberdade e a responsabilidade de sermos santos profanos, ou seja, santos que podem, por não terem um compromisso direto com Teologia da Igreja, a possibilidade de serem um trabalho educacional da escola, intermediado pela construção da e na linguagem, em atitude reflexiva e responsiva
MARITAIN,
Jacques. Arte y Escolástica. Buenos Aires: Club de Lectores, 1972.
MARITAIN, Jacques. La
educación en la encrucijada. Madrid: Ediciones Palabra, 2008