2 de fevereiro de 2009

O ESPAÇO CIRCULAR DA LEITURA E DA VIDA


Ler é um processo de construção de sentidos no espaço de um texto. Como assim? “Espaço de um texto”? É que consideramos um texto como um espaço para construção de interpretações, como um terreno é um espaço para a construção de uma casa. Observe que dissemos interpretações, no plural. Isso porque os textos permitem inúmeras interpretações e usos. Mas, como espaço, todo texto tem limites que orientam a interpretação que fazemos dele. Em outras palavras, nem todas as interpretações que se poderiam fazer a partir de um texto são apropriadas.

Um dos principais limites à interpretação de um texto é o gênero textual ao qual ele pertence. Chamamos de gênero textual à forma que um texto assume na sociedade, na circulação cotidiana. Ir ao médico, procurar um emprego, trabalhar, divertir-se, educar-se são algumas das muitas atividades sociais que exigem diferentes gêneros textuais. São gêneros textuais uma ficha de cadastro, uma lenda, um depoimento no orkut, um relatório, uma entrevista, um poema, um artigo de opinião ou um projeto de pesquisa. A lista ruma ao infinito e modifica-se conforme mudam as necessidades sociais.

O surgimento do computador facilitou muito a nossa vida e modificou hábitos e práticas sociais. Junto com ele surgiu também um conjunto de novos gêneros textuais: e-mail, blog, msn, orkut etc que modificaram a nossa vida.

Contudo, os gêneros textuais também podem morrer. É a tendência da carta familiar, substituída, cada vez mais, pelo e-mail e pelo telefonema. Foi o destino da epopéia, gênero poético narrativo que produziu grandes obras da Literatura mundial e que hoje ninguém mais escreve.

Os gêneros textuais atendem a necessidades sociais e essas, por sua vez, orientam a nossa leitura. Isso faz com que a leitura de um dicionário seja muito diferente da leitura de um romance, por exemplo. Não lemos um pelos mesmos motivos que lemos o outro. Não é só a forma dos textos que é diferente, as finalidades a que se destinam também o são e há uma relação entre ambos: as finalidades de um texto orientam a sua forma.

Desta perspectiva, a leitura de um texto é um acontecimento social. Não lemos apenas um relatório, por exemplo, mas nos inscrevemos em uma atividade social na qual a leitura de um relatório é apenas uma das atividades. Assim, a leitura de um artigo de opinião, para citarmos outro exemplo, requer estratégias diferentes daquelas que utilizamos para ler uma receita culinária ou um conto. O domínio de tais estratégias, acompanhadas dos procedimentos sociais apropriados, assegura o nosso lugar no mundo, pois facilita a nossa interação com o outro.

A nossa identidade produz-se por meio de um movimento dúplice: por um lado, precisamos conhecer bem o espaço interior que nos constitui; por outro, precisamos relacionarmo-nos com os espaços dos outros ao nosso redor. Desses movimentos constrói-se quem somos. O contato com o outro, aspecto fundamental para a nossa identidade dá-se por meio da comunicação e essa, por meio de textos. Por sua vez, esses textos apenas surgem no nosso cotidiano na forma de gêneros que os limitam e orientam o nosso trabalho de construção de sentido. Construímos assim um espaço circular de leitura e de vida.

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