O encantamento romântico com o Brasil é ainda um lugar comum.Somos o país do alegre carnaval, da natureza exuberante, do povo simpático e carinhoso, do samba, o país do futebol. As belezas naturais é a persistente imagem que procuram em nós, brasileiros, e é a necessária imagem que vendemos. Somos o país "gigante pela própria natureza", como muito bem nos diz o hino nacional. Nossas matas,nossas praias, o Pantanal, a Floresta Amazônica, a natureza que deslumbra,que encanta e que evoca discussões ecológicas em que se revela toda a preocupação com o futuro do mundo... e que pena tanta coisa bonita e tanta pobreza, com tanta poluição, isso não vai durar muito e ainda vão se arrepender de causarem tanto mal destruindo as florestas. E talvez não dure. Embora, na maior parte das vezes esse plural que causa tanta desgraça inclua o próprio que o enuncia.
O imaginário facilitado pela ausência de reflexão lança-se em uma teia de ideias muitas vezes contraditórias. Somos o país que não sabe se governar. Assim, à imagem da favelas, soma-se a idéia de que no Brasil andamos de cipó, as nossas mulheres andam nuas e encontramos muita dificuldade em jogar futebol, pois as muitas árvores atrapalham as partidas.Sobram os menores abandonados a assaltarem os artistas da Rede Globo deTelevisão e os outros muito ricos que vivem em mansões gigantescas. Mas estes e aqueles não vivem nas matas e sim no Rio de Janeiro, um oásis repleto da tal poluição de que se falava há pouco, uma estranha cidade onde se refugiam todos os criminosos hollywoodianos. Nosso povo é simpático e carinhoso,mais do que isso servil. Nossas mulheres têm uma sensualidade à flor da pele e umas vergonhas tão limpinhas e bonitas que não dá vergonha nenhuma de mostrar, como já nos dizia Caminha. E como se expõem, e como gosta-se de vê-las. Afinal, o Brasil é terra de boas prostitutas, que fazem a qualquer homem gemer sem sentir dor.
Nossos homens são robustos, apreciam muito o trabalho físico, bons procriadores, pardos, preguiçosos. Esse exagero de pp é corrigido quando a mente superior do estrangeiro para aqui vem nos orientar. O brasileiro não sabe se governar.
Esse povo é muito alegre e sempre está disposto à festejar em sua limpinha pobreza.Gostam muito de música e de folguedos e se trabalhassem mais ao invés de andarem por aí a dançar, com certeza não teriam tanta miséria, como temos. Ah...mas nós, brasileiros da Carmem Miranda (e olhe, veja bem, ela nem era brasileira, era portuguesa e chamava-se Carmem, que tampouco é um nome muito comum aqui no Brasil... Ah... esses brasileiros...), nós brasileiros somos tão engraçados... Quando não estamos caçando, estamos sambando, desfilando no carnaval, ou vendendo as nossas santas mãezinhas nas ruas como prostitutas ou estamos fazendo filhos para se tornarem bons menores abandonados, ou estamos cantando e dançando e jogando bola... Nós? Brasileiros?
"O Guarani", de José de Alencar, revela a criação de um complexo mito, que abraçamos de coração com a independência sem nos darmos muito bem conta disso. Ao final do romance, Cecília e Peri unem as suas vidas,deixando para trás o seu passado, levado de enxurrada por um dilúvio. A portuguesa e o índio perdem as suas anteriores identidades e, pela união abençoada por Deus, iniciam o que resultará em um autêntico brasileiro, tomado metonimicamente como o próprio Brasil.E isso fizemos bem... Negamos o nosso passado, como se tivessemos nascido por geração espontânea... É verdade que boas razões explicam isso.
A colonização que originou o Brasil foi dura, cruel, assassina. E provavelmente não seria culpa exclusiva dos portugueses... Não acredito que se ocorresse o inverso,o Brasil teria colonizado de outra forma a Portugal. Ficou-nos uma enorme herança de pobres, de analfabetismo, de tradições caudilhistas e monopolizadoras... Herança que negamos, mas que nunca desapareceu. Herança que tampouco soubemos muito bem o que fazer com ela. Ficou-nos uma maneira de ver o mundo, de construir as casas, de pensar o futuro, de contar histórias... Uma maneira que também negamos, mas que tampouco desapareceu...
Seria a tristeza do fado muito diferente da tristezade um samba? Seria o nosso deslumbramento diante dos EUA, muito diferente do deslumbramento português diante da França e da Inglaterra? Seria a nossa irresponsabilidade ecológica muito diferente daquela que fez arruinar as florestas originais portuguesas de carvalhos e abetos transformando-as em pinhais? É pensar o Brasil como devaneio romântico que nunca se realiza a melhor maneira de encontrarmos a nossa identidade como brasileiros?
Profunda e até melindrosa questão da que têm se ocupado não poucos pensadores. É claro que o estereótipo acima não traduz toda a realidade do pensamento europeu sobre o Brasil, mas tampouco emerge por acaso. Fornece material para pensar o Brasil... para que nos repensemos. Não me proponho a estender mais sobre o assunto. O encaminhamento deste texto nos levaria a muitos, brasileiros ou não, que pensaram o Brasil para além da imagem romântica ou da fonte materna inesgotável fêmea parideira... Se a imagem é perceptível de interpretação.
Estarei sendo tão romântico como os Românticos? É possível... precisamos de Romantismo... Mas precisamos pensar o Brasil...Rever e refazer nossa relação com Portugal, que acredito, também precise rever e refazer a sua, sobre o risco de desatlantizando-se, mascarar-se de uma nova identidade européia que nunca teve. Precisamos constantemente reinventar o Brasil... Pensar em identidade não por opor-se ao passado ou àqueles que conosco dividem a mesma língua, mas na tentativa de construir umcontinuum que interligue ao invés de afastar, e no que temos em comum, nosconstruímos e percebemos nossas diferenças.
O imaginário facilitado pela ausência de reflexão lança-se em uma teia de ideias muitas vezes contraditórias. Somos o país que não sabe se governar. Assim, à imagem da favelas, soma-se a idéia de que no Brasil andamos de cipó, as nossas mulheres andam nuas e encontramos muita dificuldade em jogar futebol, pois as muitas árvores atrapalham as partidas.Sobram os menores abandonados a assaltarem os artistas da Rede Globo deTelevisão e os outros muito ricos que vivem em mansões gigantescas. Mas estes e aqueles não vivem nas matas e sim no Rio de Janeiro, um oásis repleto da tal poluição de que se falava há pouco, uma estranha cidade onde se refugiam todos os criminosos hollywoodianos. Nosso povo é simpático e carinhoso,mais do que isso servil. Nossas mulheres têm uma sensualidade à flor da pele e umas vergonhas tão limpinhas e bonitas que não dá vergonha nenhuma de mostrar, como já nos dizia Caminha. E como se expõem, e como gosta-se de vê-las. Afinal, o Brasil é terra de boas prostitutas, que fazem a qualquer homem gemer sem sentir dor.
Nossos homens são robustos, apreciam muito o trabalho físico, bons procriadores, pardos, preguiçosos. Esse exagero de pp é corrigido quando a mente superior do estrangeiro para aqui vem nos orientar. O brasileiro não sabe se governar.
Esse povo é muito alegre e sempre está disposto à festejar em sua limpinha pobreza.Gostam muito de música e de folguedos e se trabalhassem mais ao invés de andarem por aí a dançar, com certeza não teriam tanta miséria, como temos. Ah...mas nós, brasileiros da Carmem Miranda (e olhe, veja bem, ela nem era brasileira, era portuguesa e chamava-se Carmem, que tampouco é um nome muito comum aqui no Brasil... Ah... esses brasileiros...), nós brasileiros somos tão engraçados... Quando não estamos caçando, estamos sambando, desfilando no carnaval, ou vendendo as nossas santas mãezinhas nas ruas como prostitutas ou estamos fazendo filhos para se tornarem bons menores abandonados, ou estamos cantando e dançando e jogando bola... Nós? Brasileiros?
"O Guarani", de José de Alencar, revela a criação de um complexo mito, que abraçamos de coração com a independência sem nos darmos muito bem conta disso. Ao final do romance, Cecília e Peri unem as suas vidas,deixando para trás o seu passado, levado de enxurrada por um dilúvio. A portuguesa e o índio perdem as suas anteriores identidades e, pela união abençoada por Deus, iniciam o que resultará em um autêntico brasileiro, tomado metonimicamente como o próprio Brasil.E isso fizemos bem... Negamos o nosso passado, como se tivessemos nascido por geração espontânea... É verdade que boas razões explicam isso.
A colonização que originou o Brasil foi dura, cruel, assassina. E provavelmente não seria culpa exclusiva dos portugueses... Não acredito que se ocorresse o inverso,o Brasil teria colonizado de outra forma a Portugal. Ficou-nos uma enorme herança de pobres, de analfabetismo, de tradições caudilhistas e monopolizadoras... Herança que negamos, mas que nunca desapareceu. Herança que tampouco soubemos muito bem o que fazer com ela. Ficou-nos uma maneira de ver o mundo, de construir as casas, de pensar o futuro, de contar histórias... Uma maneira que também negamos, mas que tampouco desapareceu...
Seria a tristeza do fado muito diferente da tristezade um samba? Seria o nosso deslumbramento diante dos EUA, muito diferente do deslumbramento português diante da França e da Inglaterra? Seria a nossa irresponsabilidade ecológica muito diferente daquela que fez arruinar as florestas originais portuguesas de carvalhos e abetos transformando-as em pinhais? É pensar o Brasil como devaneio romântico que nunca se realiza a melhor maneira de encontrarmos a nossa identidade como brasileiros?
Profunda e até melindrosa questão da que têm se ocupado não poucos pensadores. É claro que o estereótipo acima não traduz toda a realidade do pensamento europeu sobre o Brasil, mas tampouco emerge por acaso. Fornece material para pensar o Brasil... para que nos repensemos. Não me proponho a estender mais sobre o assunto. O encaminhamento deste texto nos levaria a muitos, brasileiros ou não, que pensaram o Brasil para além da imagem romântica ou da fonte materna inesgotável fêmea parideira... Se a imagem é perceptível de interpretação.
Estarei sendo tão romântico como os Românticos? É possível... precisamos de Romantismo... Mas precisamos pensar o Brasil...Rever e refazer nossa relação com Portugal, que acredito, também precise rever e refazer a sua, sobre o risco de desatlantizando-se, mascarar-se de uma nova identidade européia que nunca teve. Precisamos constantemente reinventar o Brasil... Pensar em identidade não por opor-se ao passado ou àqueles que conosco dividem a mesma língua, mas na tentativa de construir umcontinuum que interligue ao invés de afastar, e no que temos em comum, nosconstruímos e percebemos nossas diferenças.
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