23 de agosto de 2011

A INTENÇÃO COMUNICATIVA DA ARTE

Inicialmente consideremos a seguinte reflexão:

“A cultura relaciona-se com objetos e é um fenômeno do mundo; o entretenimento relaciona-se com pessoas e é um fenômeno da vida. (...) A cultura é ameaçada quando todos os objetos e coisas seculares, produzidos pelo presente ou pelo passado, são tratados como meras funções para o processo vital da sociedade, como se aí estivessem somente para satisfazer a alguma necessidade”.

ARENDT, Hannah. “A crise na cultura: sua importância social e política”. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.

Por Arte, podemos entender a literatura, a pintura, a escultura, o cinema, o teatro, a música, a dança etc. Uma sociedade imediatista e de consumo tende a destruir aquilo em que toca e esse é, para Hannah Arendt, filosofa judaico-alemã, o grande perigo atual da Arte. Reduzida apenas ao que é divertido, a Arte tem de cumprir um papel para o qual não está destinada: o de nos entreter.

Todos nós precisamos de momentos de diversão, isso é normal. O erro parece ser em não encontrar, além dos momentos necessários para o entretenimento, momentos específicos para a Arte. Isso porque a Arte permite que despertemos o que há de mais humano dentro de nós e nos desenvolvamos como seres de cultural. Que necessidade você sente de ler um texto literário não porque ele seja divertido mas porque ele nos auxilia a construir a nossa identidade (e a nossa alteridade) cultural?

No entender da filósofa, tempo para entretenimento não é o mesmo que tempo para a cultura. O grande problema da sociedade moderna é confundir esses diferentes tempos entre si e dar o rótulo de ‘Arte’ a produtos que não têm a vocação para durar, mas apenas satisfazem uma necessidade imediata do mercado. Dessa forma, as classes dominantes (os novos ricos) tranqüilizam a sua consciência, ao passo que confundem os produtos da indústria de entretenimento com Arte.

A Escola é um espaço particularmente perigoso para tal conceito de Arte-diversão. É comum que por Arte entenda-se o fazer algo ‘bonitinho’, algo ‘de que os alunos gostem’ ou algo ‘que transmita bons conselhos’. Todos apreciamos o bonito, todos nos sentimos bem com o que gostamos e todos nós precisamos de bons conselhos, mas isso não significa que estamos nos limites da Arte.

A sociedade – e a Escola como reflexo da sociedade – ‘cria’ modas e tendências que transformam determinadas obras em ‘obras de Arte’, mesmo sem terem passado em qualquer teste de enfrentamento do tempo ou de apresentarem uma proposta clara de prender a nossa atenção e nos comover.

A escola corre dois grandes perigos ao lidar com Arte:

(1) transformar a Arte em estudo da História da Arte (o que faz com que ela se torne muito mais pequena do que é capaz), reduzindo, por exemplo, a Literatura ao estudo dos movimentos literários

(2) destruir o espaço da Arte por confundir entretenimento com Arte, confundir o ‘agradável’ – estética ou moralmente – com Arte.

Mas que vantagem tem a sociedade – e a Escola como reflexo dessa sociedade – em valorizar a Arte como expressão da cultura e da construção da identidade cultural?

Relacionar-se com a Arte é mais trabalhoso do que se relacionar com a diversão. A Arte nem sempre relaxa. Às vezes ela nos inquieta, nos confunde, nos incomoda. Mas então por que iríamos querer uma relação pessoal com a Arte?

Quando tratamos o objeto cultural – a obra literária ou um peça musical, por exemplo – como cultura e não como entretenimento, podemos encantarmo-nos com a nossa identidade como seres históricos. Podemos emocionarmo-nos com aqueles que construíram formas únicas de ver o mundo motivados pela sensibilidade e pelo desejo de ter algo a dizer nesse diálogo que atravessa os séculos sobre o que é a Arte.

Essa resposta não agrada a aqueles que julgam tudo em função de sua utilidade imediata e de ‘valores’ materiais. Essas pessoas são chamadas de ‘filisteus’ por Arendt.

Filisteu é o nome dado ao antigo habitante da região que hoje forma Israel e Palestina. A origem desse povo não é clara. Os relatos que hoje temos dos filisteus chegam-nos por meio dos hebreus. As relações entre hebreus e filisteus sempre foram problemáticas, o que facilita o uso pejorativo não-histórico do termo.

Os atuais ‘filisteus’ não percebem que a relação possível entre os seres humanos e a Arte é uma porta para que encontremos legitimamente nossa vocação humana pela eternidade. A arte deseja ser eterna. Essa vocação é algo que nos distingue, em definitivo, dos animais e é um elemento decisivo para que possamos pensar o mundo seguindo outros modelos, que superem a superficialidade do imediato e da resposta simples mas vazia.

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