24 de fevereiro de 2011

A INTENÇÃO COMUNICATIVA DO TEXTO ARTÍSTICO

Uma sociedade imediatista e de consumo tende a destruir aquilo em que toca e esse é, para a filósofa Hannah Arendt, o grande perigo atual da arte: reduzida apenas ao que é divertido, ela tem de cumprir um papel para o qual não está destinada: o de nos entreter.


Todos nós precisamos de momentos de diversão, isso é normal. O erro parece ser em não encontrar, além dos momentos necessários para o entretenimento, momentos específicos para a arte.

Relacionar-se com a arte é mais trabalhoso do que se relacionar com a diversão. A arte nem sempre relaxa. Às vezes ela nos inquieta, nos deixa confusos, nos incomoda. Mas então por que iríamos querer uma relação pessoal com a arte?

Isso porque a arte permite que despertemos o que há de mais humano dentro de nós. A arte permite que construamos ‘cultura’:

A cultura relaciona-se com objetos e é um fenômeno do mundo; o entretenimento relaciona-se com pessoas e é um fenômeno da vida. (...) A cultura é ameaçada quando todos os objetos e coisas seculares, produzidos pelo presente ou pelo passado, são tratados como meras funções para o processo vital da sociedade, como se aí estivessem somente para satisfazer a alguma necessidade”.

ARENDT, Hannah. “A crise na cultura: sua importância social e política”. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.


No entender da filósofa, tempo para entretenimento não é o mesmo que tempo para a cultura. O grande problema da sociedade moderna é confundir esses diferentes tempos entre si e dar o rótulo de ‘arte’ a produtos que não têm a vocação para durar, mas apenas satisfazem uma necessidade imediata do mercado. Dessa forma, as classes dominantes (os novos ricos) tranqüilizam a sua consciência, ao passo que confundem os produtos da indústria de entretenimento com arte.

Além disso, ‘criam’ modas e tendências que transformam determinadas obras em ‘obras de arte’, mesmo sem terem passado em qualquer teste de enfrentamento do tempo ou de apresentarem uma proposta clara de prender a nossa atenção e nos comover.

Quando tratamos o objeto cultural – a obra literária ou um peça musical, por exemplo – como cultura e não como entretenimento, podemos encantarmo-nos com a nossa identidade como seres históricos. Podemos emocionarmo-nos com aqueles que construíram formas únicas de ver o mundo motivados pela sensibilidade e pelo desejo de ter algo a dizer nesse diálogo que atravessa os séculos sobre o que é a arte.

Essa resposta não agrada a aqueles que julgam tudo em função de sua utilidade imediata e de ‘valores’ materiais. Essas pessoas são chamadas de ‘filisteus’ por Arendt.

Filisteu é o nome dado ao antigo habitante da região que hoje forma Israel e Palestina. A origem desse povo não é clara. Na verdade, não se sabe se era um único povo ou uma confederação de povos que habitava o território ao leste do mar Mediterrâneo por volta do século XIII a.C. Os relatos que hoje temos dos filisteus chegam-nos por meio dos hebreus. As relações entre hebreus e filisteus sempre foram problemáticas, o que facilita o uso pejorativo não-histórico do termo.

Os atuais ‘filisteus’ não percebem que a relação possível entre os seres humanos e a arte é uma porta para que encontremos legitimamente nossa vocação como humanos e para alcançarmos o eterno. Essa vocação é algo que nos distingue, em definitivo, dos animais e é um elemento decisivo para que possamos pensar o mundo seguindo outros modelos, que superem o tempo e que promovam valores mais dignos como o amor e a justiça, ao invés da ganância e egoísmo que tantas vezes presenciamos.

19 de fevereiro de 2011

FOTOGRAFIA E NARRATIVAS: ERA UMA VEZ...

Chamamos de fotografias de quadros ou de quadros-vivos àquelas que concentram em uma única imagem toda uma história. A fotografia contemporânea também tem se apropriado da narrativa para construir a sua visão de arte.Ao examinar a imagem a seguir, imagine-a como uma pequena narrativa própria das ruas em que vivemos. O que esta fotografia nos está contando?
Na foto Transeunte, uma foto em preto e branco com um homem virado de costas para a câmera e se afastando dela, o canadense Jeff Wall constrói uma imagem que nos remete para a natureza da vida nas grandes cidades, em que o desconhecido e o escuro nos ameaçam. A foto se aproxima de uma fotorreportagem noturna e capta a tensão existente entre a aparência e a substância, entre o que é e o que parece ser.
A foto parece ser um acaso, mas é, na verdade, encenada e, normalmente, envolve um grupo de atores. Tudo tendo sido meticulosamente pensado para contar a história. O fotográfo, dessa maneira, se aproxima do diretor de cinema ou do maestro conduzindo a sua orquestra.
A fotografia de quadro-vivo, contudo, não deseja simplesmente contar uma história, mas instaurar, no observador, uma certa dose de ansiedade e incerteza. Uma das técnicas utilizadas para isso é a de reproduzir sujeitos cujo rosto não está voltado para nós. É o que se vê na fotografia a seguir de Hannah Starkey:
Sem ver o rosto, ficamos sem qualquer explicação sobre o caráter do fotografado. Isso facilita, como em Março de 2002 que se crie uma atmosfera misteriosa que, por vezes, nos afasta da realidade. Para construirmos sentido numa foto como essa nos valemos mais do processo de interligar o espaço e os objetos da cena do que aquilo que deveria ser mais importante, o ser humano fotografado.
Essa mulher tanto pode ser uma habitante de uma cidade aguardando o seu pedido em um restaurante oriental, como uma sereia de longos cabelos grisalhos enrolados em torno dos ombros.
Observe, agora, esta outra foto de Jeff Wall e pense em que narrativa ela esconde:
Observe que enquanto uma jovem lê despreocupadamente na casa bagunçada, a outra se movimenta com um pano na mão, aparentemente preocupada em organizar o ambiente. Ao fundo, a vista deslumbrante do exterior, que dá nome à fotografia (Vista desde um apartamento), com o porto ao longe, é ignorada por ambas.

18 de fevereiro de 2011

O PROCESSO DE LEITURA: PROBLEMAS NA COMPREENSÃO DAS PALAVRAS EM UM TEXTO

SÁNCHEZ MIGUEL (2002, 30) apresenta-nos dois tipos de problemas de leitura relacionados à dificuldade de compreender o significado de palavras em um texto:
(1) dificuldade para reconhecer com rapidez e precisão as palavras escritas, seja por que ela não faz parte do vocabulário do leitor, seja porque não dispõe das habilidades necessárias para converter os grafemas em fonemas e, desse modo, ‘ouvir’ a palavra.
(2) dificuldade para parafrasear adequadamente o que se leu, estabelecendo relações temáticas entre os significados dos vocábulos. Essas unidades mais complexas de significado construídas pelas palavras (devidamente compreendidas) de um texto são denominadas proposições.
O estudioso (id. p. 28) nos chama a atenção ao fato que, todo ato de leitura, nos coloca diante de dois movimentos diferentes:
(a) estabelecer relações (agente, objeto, ação) entre os significados permitindo-nos construir uma unidade de sentido mais ampla (ideia ou proposição) e a que se pode atribuir o valor de ‘verdadeiro’ ou ‘falso’. Essas relações são sempre estabelecidas a partir daquilo que conhecemos, que nos é ‘dado’ para aquilo que desconhecíamos, que nos é ‘novo’ (Id. p. 35).
(b) Reter na nossa mente as relações entre os significados das palavras estabelecidas em proposições.0 (e não as palavras em si). Somente desta perspectiva é que a paráfrase se torna um importante processo de leitura.
O seguinte exemplo, embasado nas idéias de SÁNCHEZ MIGUEL (Id. p. 27), poderá servir de ajuda:

  •  Os vacuns arrastavam a carga de mabolo pela penedia
A escolha de palavras pouco comuns, tais como ‘vacuns’, ‘mabolo’ e ‘penedia’ obriga-nos a adotar estratégias para nos aproximarmos do significado do que lemos. Como vimos, o ponto de partida é sempre o dado, aquilo que o leitor já conhece. Neste caso, o leitor poder-se-ia apoiar no significado de ‘arrastar’ para chegar a outros significados complementares:

  •  um agente (sujeito) que faz a ação de arrastar: os vacuns;
  • um objeto sobre o qual se exerce a ação: a carga de mabolo;
  • um lugar (complemento – onde) ou meio: pela penedia.
Desse modo, o leitor pode inferir (concluir) que ‘vacuns’ são capazes de ‘arrastar’ algo, neste caso, uma carga de ‘mabolo’, elemento capaz de ser arrastado. Pelo mesmo raciocínio, ‘penedia’ pode ser entendido como o lugar ‘onde’ se arrasta a carga. Se soubermos que ‘vacuns’ são um conjunto de bois e vacas, que ‘mabolo’ é um tipo de madeira e que ‘penedia’ é ribanceira, fica mais fácil compreender o texto.
Do que se viu até aqui, um problema de leitura está relacionado à dificuldade que o leitor tem de ter “acesso ao significado de certas palavras e, como conseqüência, não [poder] construir proposições” (id. p. 30). O desenvolvimento dessa dificuldade de leitura exige que se estabeleçam estratégias que permitam, portanto, desenvolver duas habilidades essenciais:

(1) Identificar as palavras de um texto e o seu significado.
(2) Elaborar (ou construir) proposições.

BIBLIOGRAFIA
SÁNCHEZ MIGUEL, Emilio. Compreensão e redação de textos: dificuldades e ajudas. Porto Alegre: Artmed, 2002.

7 de fevereiro de 2011

SEMIÓTICA E EDUCAÇÃO – PARTE I: A influência de Roland Barthes

Consideraremos aqui a Semiótica como uma disciplina que assume para si um certo número de enunciados em uma determinada época. Desta perspectiva, a semiótica é uma disciplina relativamente recente, tendo se consolidado a partir dos anos 60 do século passado. Contudo, sobre o signo e suas relações com o ser humano, na construção do sentido, sempre houve reflexões, particularmente, na Filosofia.


A disciplina da Semiótica, contudo, é devedora aos estudos de Roland Barthes, cujos ecos ainda encontramos sólidos tanto ao falarmos de estudos semióticos, como ao pensarmos no ensino de Linguagens na Escola Brasileira.

Barthes pensava em uma Semiologia (que nem sempre pode ser considerada equivalente de Semiótica), como crítica das conotações ideológicas presentes em um determinado hipersistema de signos que, para ele, confundia-se com língua. Para Barthes, em uma determinada cultura, há vários sistemas de signos. Estes não podem ser estudados em separado, mas relacionados entre si, como partes de sistemas semióticos organizados e independentes. Para Barthes, todos os sistemas de significação são compreendidos e traduzidos por meio da linguagem verbal. Desse modo, a linguagem verbal não apenas funcionaria como um sistema semiótico como outro qualquer (visual, gestual etc), como é capaz de poder falar dos demais sistemas de signos. A língua é, portanto, capaz de nomear-se a si mesma e aos outros signos de uma cultura.

Em termos simples, isso significa que, por meio da língua portuguesa, espanhola, inglesa eu posso traduzir um quadro, uma fotografia, uma música. Posso aprofundar os sentidos construídos em uma coreografia, em um espetáculo teatral ou em um evento esportivo.

Como propagador das ideias de Bertolt Brecht, Barthes desejava compreender o conjunto de conotações sociais, culturais e ideológicas que a burguesia (e todo o sistema dominante) introduziu na língua. No horizonte utópico de Barthes, o desejo de chegar a um grau zero da língua, uma forma neutra, própria de uma sociedade livre, sem ideologias ou classes.

Se pensarmos ideologia não como os valores da burguesia que se reproduzem socialmente por meios nem sempre (ou raramente) legítimos, mas introduzirmos um deslocamento semântico, para pensar a ideologia como ‘sistema de valores’ de uma comunidade de interlocutores ou de pessoas que fazem uso de um determinado sistema semiótico – verbal ou não –, podemos revisitar Barthes, sem desejarmos a utopia de um grau zero da língua, mas com o propósito de compreendermos, por meio da pluralidade de linguagens, o mundo ao nosso redor.

A semiologia barthiniana valorizava tanto a filosofia como a retórica para construir-se como campo de estudos. Aí esteve seu maior ganho e, ao mesmo tempo, sua maior perda. Isso porque, ao revalorizar os estudos retóricos, estilísticos e filosóficos, mostrou-se desnecessária como campo específico de estudos. O ganho para as disciplinas que estudam a linguagem foi a aproximação mais sólida da Filosofia e uma nova visão dos estudos estilísticos e retóricos, com a revalorização, por exemplo, da argumentação.

O maior perigo, contudo, reside em agrupar coisas incoerentes entre si sob o rótulo de estudos semióticos e construir um discurso confuso que mais atrapalha do que ajuda. Por exemplo, os trabalhos com argumentação na escola são excelentes, mas não podem ser descontextualizados (1) do campo sociocultural em que se argumenta e (2) dos valores filosóficos de verdade e moral a que, desde a sua origem, se associam.

2 de fevereiro de 2011

O TRABALHO COM ARTE NA ESCOLA

A Arte pressupõe o exercício da criatividade e da poesia.

A visão poética do mundo é pessoal, mas alicerçada no que vivemos e aprendemos sobre esse mundo que nos rodeia. Em outras palavras, entrar em contato com a Arte produzida no correr da história ajuda-nos a alargar os nossos horizontes e a construir o nosso sentido pessoal de Arte. O fato de sentido ser pessoal não quer dizer que seja completamente hermético ou idiossincrático. Ele pode e deve estabelecer diálogos com a tradição, ao passo que constrói história.


A arte tem sido muito desvalorizada da sociedade. É comum, as pessoas, quando adultas, comprarem um quadro, apenas para que ele combine com a cor do sofá ou lerem um livro só se ele ‘ensinar’ alguma coisa, 'passar' alguma lição de moral.
Muitos, contudo, concordam que a arte não precisa ensinar nada a não ser que a BELEZA existe e nós somos seres inundados de BELEZA e POESIA: ela está ao nosso redor: na natureza, na nossa alma, nas obras humanas que se esforçam por refletir essa beleza: a música, a dança, o teatro, a pintura, a escultura.
Mas até o que é beleza é passível de muitos discursos e questionamentos. Assim, não é de estranhar que alguns estudiosos concordem que o próprio discurso que interroga a Arte e procura explicá-la faça parte também, ele mesmo, do próprio conceito de Arte.
Trabalhar com Arte na escola é, portanto, discutir Arte, produzir Arte, apreciar Arte, debater Arte.
É interessante que os momentos de apreciação fossem sempre conduzidos a um objetivo específico que é apresentado logo no início do ‘debate’. Ao final, a turma deve chegar a uma  ou duas conclusões coletivas que devem ser assentadas por escrito e devem ser o ponto de partida para a próxima aula, para uma próxima atividade, para um fazer artístico.