Uma sociedade imediatista e de consumo tende a destruir aquilo em que toca e esse é, para a filósofa Hannah Arendt, o grande perigo atual da arte: reduzida apenas ao que é divertido, ela tem de cumprir um papel para o qual não está destinada: o de nos entreter.
Todos nós precisamos de momentos de diversão, isso é normal. O erro parece ser em não encontrar, além dos momentos necessários para o entretenimento, momentos específicos para a arte.
Relacionar-se com a arte é mais trabalhoso do que se relacionar com a diversão. A arte nem sempre relaxa. Às vezes ela nos inquieta, nos deixa confusos, nos incomoda. Mas então por que iríamos querer uma relação pessoal com a arte?
Isso porque a arte permite que despertemos o que há de mais humano dentro de nós. A arte permite que construamos ‘cultura’:
“A cultura relaciona-se com objetos e é um fenômeno do mundo; o entretenimento relaciona-se com pessoas e é um fenômeno da vida. (...) A cultura é ameaçada quando todos os objetos e coisas seculares, produzidos pelo presente ou pelo passado, são tratados como meras funções para o processo vital da sociedade, como se aí estivessem somente para satisfazer a alguma necessidade”.
ARENDT, Hannah. “A crise na cultura: sua importância social e política”. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
No entender da filósofa, tempo para entretenimento não é o mesmo que tempo para a cultura. O grande problema da sociedade moderna é confundir esses diferentes tempos entre si e dar o rótulo de ‘arte’ a produtos que não têm a vocação para durar, mas apenas satisfazem uma necessidade imediata do mercado. Dessa forma, as classes dominantes (os novos ricos) tranqüilizam a sua consciência, ao passo que confundem os produtos da indústria de entretenimento com arte.
Além disso, ‘criam’ modas e tendências que transformam determinadas obras em ‘obras de arte’, mesmo sem terem passado em qualquer teste de enfrentamento do tempo ou de apresentarem uma proposta clara de prender a nossa atenção e nos comover.
Quando tratamos o objeto cultural – a obra literária ou um peça musical, por exemplo – como cultura e não como entretenimento, podemos encantarmo-nos com a nossa identidade como seres históricos. Podemos emocionarmo-nos com aqueles que construíram formas únicas de ver o mundo motivados pela sensibilidade e pelo desejo de ter algo a dizer nesse diálogo que atravessa os séculos sobre o que é a arte.
Essa resposta não agrada a aqueles que julgam tudo em função de sua utilidade imediata e de ‘valores’ materiais. Essas pessoas são chamadas de ‘filisteus’ por Arendt.
Filisteu é o nome dado ao antigo habitante da região que hoje forma Israel e Palestina. A origem desse povo não é clara. Na verdade, não se sabe se era um único povo ou uma confederação de povos que habitava o território ao leste do mar Mediterrâneo por volta do século XIII a.C. Os relatos que hoje temos dos filisteus chegam-nos por meio dos hebreus. As relações entre hebreus e filisteus sempre foram problemáticas, o que facilita o uso pejorativo não-histórico do termo.
Os atuais ‘filisteus’ não percebem que a relação possível entre os seres humanos e a arte é uma porta para que encontremos legitimamente nossa vocação como humanos e para alcançarmos o eterno. Essa vocação é algo que nos distingue, em definitivo, dos animais e é um elemento decisivo para que possamos pensar o mundo seguindo outros modelos, que superem o tempo e que promovam valores mais dignos como o amor e a justiça, ao invés da ganância e egoísmo que tantas vezes presenciamos.
Oi adorei seu artigo e seu blog, espero que não fique chateado, pois indiquei tanto o artigo como seu blog no meu singelo blog
ResponderExcluirwww.monique-belfort.blogspot.com , qualquer coisa, é só me avisar e eu retiro, não quero causar uma situação constrangedora, ok!
Fique à vontade, Monique. É um prazer tê-la por aqui...
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